domingo, 2 de junho de 2019

Michel Serres no Instituto Politécnico de Santarém

No momento em que  o filósofo francês Michel Serres nos deixou, convirá  prestar-lhe homenagem. A memória é fundamental para compreender as instituições e preparar o futuro das mesmas. Michel Serres nunca esteve no IPS. Mas, o IPS deve-lhe muito. Os conceitos que elaborou estiveram ou estão presentes nos documentos programáticos de diferentes  unidades. Não sei se todos se lembrarão e identificarão  o autor de alguns conceitos, mas é minha obrigação enquanto docente do IPS associar-me a todos os que, hoje, escrevem sobre o grande Filósofo francês.

Michel Serres  também  esteve presente nos meus programas de unidades curriculares e  na organização das minhas aulas, como ex-estudantes se lembrarão. Também inspiraram a pintora Antígona que irá apresentar, em setembro, na Galeria da Câmara Municipal de Almeirim, uma exposição intitulada «Mestiçagem de culturas». Mas essas dimensões serão abordadas em outro post.

Aqui, é da sua «presença» no IPS, em vários momentos, alguns apagados, como o projeto de Escola Superior de Saúde que coordenei, enquanto Vice-Presidente do IPS. No projeto desta Escola, que viria  a conhecer um caminho diferente do que estava traçado e que desconheço, as tele-medicinas cruzavam-se com saberes humanísticos, artísticos e científicos... Espero que  este cruzamento, ainda, seja uma prioridade da nova Escola, dada a necessidade de formar «mestiços de culturas» científicas, tecnológicas, mas sempre com a dimensão humanística, em Saúde.

Há outros momentos em que Michel Serres foi convocado na história do IPS.  Por exemplo, no Anuário do IPS de 1999-2000,  que coordenei.  Mas o filósofo francês foi  sobretudo convocado por um pintor do IPS, José Manuel Soares, pintor e professor da ESE,  que criou uma metáfora  visual de «Arlequim: um mestiço de culturas». O IPS  deveria ser esse «Arlequim».  O  trabalho original deve, possivelmente,  encontrar-se no Gabinete da Presidência do IPS.     




Anuário do IPS 1999-2000


Como a minha memória  me pode falhar, o melhor, para reavivar a memória da Instituição,  consiste em reproduzir, aqui, o meu discurso de criação da Unidade de Investigação do Politécnico, enquanto Diretora desta Unidade, em 2010:


«Declaro o nascimento da Unidade  de investigação  do IPS: UIIPS
   
A Unidade de Investigação do IPS tem como conceito e missão  contribuir para a “produção e difusão do conhecimento, criação, transmissão e difusão do saber de natureza profissional, da cultura, da ciência, da tecnologia, das artes, da investigação orientada e do desenvolvimento experimental”, de acordo  com os estatutos do IPS, publicados no Diário da República, 2.ª série, N.º 214 de 4 de Novembro de 2008.
Na sequência  desta frase  dos Estatutos do IPS, a UIIPS adoptou  o conceito de «mestiçagem de Culturas», ou prevê-se que adopte porque o Regulamento não está aprovado ainda,  designação que resulta de um empréstimo lexical ao filósofo francês Michel Serres, na obra « Le tiers instruit».
Retomo então a frase de Michel Serres: «o  cidadão do futuro é  Arlequim: um mestiço de culturas : científica, tecnológica, artística, humanística».

Foi a partir desta citação que, em 1997, propus ao Senhor Presidente do IPS,  na qualidade de Vice- Presidente do IPS e coordenadora dos IP para a organização do Congresso sobre investigação, a encomenda  ao  pintor e docente deste Instituto José Manuel Soares de uma obra que retomasse a metáfora de « Arlequim, mestiço de culturas» do filósofo francês, desenvolvida em livro, publicado na altura, «Le tiers Instruit». Arlequim, que  começa por ser uma personagem da comédia italiana que faz divertir o público, para se transformar, no século   XVIII, numa personagem mais espiritual, sensível e com profundidade dramática, sem perder o humor.
Temos assim os conceitos de  Arlequim, vestido de várias peças, capaz de transformação, com rigor, sensibilidade e humor. As peças  coloridas encontram-se no quadro, compondo o conceito de puzzle  Foi por isso que gostei desta metáfora linguística e icónica.
Mas a maior  «transformação» foi operada pelo pintor José Manuel Soares que, além do conceito de diversidade expresso através  do puzzle, do colorido,  retomou, em palimpsesto, a  representação do homem de Vitrúvio   de Leonardo da Vinci. E já estamos a ver a articulação entre Roma, o Renascimento e os nossos dias: metáforas da  construção,  da articulação de temporalidades diferentes, de transformação, de harmonia, de confiança nas descobertas do Homem.  Vitrúvio, arquitecto romano - dele deriva o conceito de rigor, de equilíbrio, de construção. Leonardo da Vinci,  escultor, arquitecto, engenheiro, pintor, físico, matemático, investigador em anatomia, organizador de festas, em resumo investigador,  cientista, artista, inventor, um «mestiço de culturas». Assim, em palimpsesto, podemos encontrar nesta tela, reproduzida no Anuário do IPS de 1999-2000 do IPS que coordenei,    as metáforas da harmonia, da mestiçagem entre domínios do saber e artes, cultura, versatilidade e profundidade. Acho que devemos ao  Investigador, artista e professor José Manuel Soares uma salva de palmas pelo seu trabalho que constitui um marco na história do Instituto.
São todos estes conceitos que deverão caracterizar a UIIPS que se apropriou desta representação  pictórica: Construção transformação, equilíbrio, rigor, qualidade estética, harmonia, confiança, diversidade, versatilidade, profundidade, mestiçagem ou interdisciplinaridade.

São estes os nosso conceito de UIIPS e que estão  declinados no programa que propusemos ao Conselho Científico (eu e o Vice-Presidente Pedro Sequeira) e que iremos apresentar em seguida.
Promover a articulação entre culturas, do passado do presente, antecipar o futuro, aumentar a intervenção, contribuir para o desenvolvimento é esta a finalidade da UIIPS.  Dar visibilidade à investigação que tem  de estar na base da docência e da intervenção, passar da investigação individual ou de pequenas equipas  para redes de conhecimento; responder às necessidades de desenvolvimento da região e simultaneamente internacionalizar  a investigação são objectivos que  fazem parte desse programa.
(...)
Criar uma identidade, uma cultura de «mestiçagem de culturas» é a nossa grande dificuldade, mas,  simultaneamente, o nosso maior desafio. Todos somos funcionários do IPS, todos somos docentes das Escolas e todos somos investigadores da UIIPS. Esta é a partir de hoje uma  componente da nossa identidade. Da nossa parte, tudo faremos para a criar e desenvolver essa identidade. Contamos com todos».
Retirado do discurso de tomada de posse da Diretora e Sub-Diretor  da UIIPS, em 2010.
       
Neste momento em que o filósofo Michel Serres nos deixou,  presto , assim, a minha homenagem  emocionada, enquanto Professora coordenadora aposentada  do Instituto Politécnico de Santarém, a este  grande Mestre.

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