Este
post foi retirado de artigo que publiquei nesta revista disponível para venda na UIIPS do Instituto Politécnico de Santarém ou nas Edições Cosmos.
A reprodução parcial deste texto deve ser identificada da seguinte forma:
Ferrão Tavares, C. (2011). Abordagem acional e competência comunicativa multimodal: estaleiro de apresentação de trabalhos académicos.
Intercompreensão, Revista de Didáctica das Línguas. Santarém: IPS-ed. Cosmos.pp. 85-118
«Com
vista a uma reflexão sobre a apresentação de trabalhos científicos, impõe-se
apresentar, ainda que de forma breve, algumas características da comunicação
científica, que não se resume a um léxico específico, como muitas vezes se
considera. A noção de géneros discursivos
- que não vamos aprofundar - tem-nos parecido operatória, no contexto do ensino
superior para o desenvolvimento, nomeadamente, da componente pragmática. Afinal, os estudantes do ensino superior são
expostos a diversos géneros, que podem ser sistematizadas nos seguintes termos,
tal como proposto por Béacco et al. (2010: 21):
·
formes textuelles des genres de la communication
ordinaire (conversation, récit, opinion personnelle, expression de sentiments) ;
·
formes textuelles de ‘genres’ intermédiaires et
médiateurs, non nécessairement présents dans la communication sociale réelle ou
bien ambivalents (utilisés dans la communication ordinaire et scientifique mais
selon des modalités différentes) ;
·
formes textuelles correspondant aux genres de discours
scientifiques (ceux des communautés scientifiques), parascientifiques (ceux des
enseignements universitaires des disciplines) ou de divulgation, formes que
l’on aura choisies pour modèles d’apprentissage et objectifs de l’enseignement.
Entre
estes três níveis, há grandes diferenças na maneira de construir os textos, o
que representa, já por si, uma enorme dificuldade para os discentes. Com
efeito, habituados a situar-se, quase sempre, no primeiro nível, que designamos
como interessante,
os estudantes têm dificuldade em passar para os géneros intermédios e, por
exemplo, fazer uma transcrição no seu texto de discursos do terceiro nível, que
designamos como demonstrativo,
fazendo dizer aos autores, muitas vezes, o que eles nunca disseram.
Para
desenvolver estes aspectos, retomamos alguns dados do documento referido,
que nos permitimos resumir e adaptar.
Assim, no primeiro nível, podemos
distinguir as seguintes operações cognitivas e discursivas: apresentar, descrever, contar, avaliar (convicção
pessoal), argumentar, com recurso ao emprego do eu, de vocabulário genérico, de termos vagos de avaliação, de
frases simples, da coordenação e com o recurso às modalizações apreciativa e
deôntica - a título exemplificativo, Eu
acho que… é muito interessante (modalidade apreciativa). Em muitos
trabalhos, na própria introdução, os
estudantes conseguem chegar às implicações dos mesmos com a produção de
enunciados como, por exemplo, os
professores devem utilizar as TIC (modalidade deôntica). Nos dois níveis
seguintes, pretende-se que os estudantes não só veiculem os atos de fala, que
traduzem as operações cognitivas referidas, como realizem, também, as operações
de explicar, de definir, de exemplificar, de comparar, de relacionar e de
avaliar (em outros termos que não os da convicção pessoal), que se distanciem
do seu discurso, recorrendo a uma terminologia mais precisa, a pronomes
pessoais que conduzam a maior objectivação do discurso, a nominalizações, a
construções passivas, a formas de quantificação mais precisas, a articuladores
lógicos - que implicam o emprego de conjunções que favoreçam o emprego do
condicional e do conjuntivo -, formas de modalização epistémica (nomeadamente,
através da certeza com valor geral – O
vento é o ar em movimento – ou, então, de diferentes verbalizações da
dúvida e da hipótese, como, por exemplo:, Na
sequência do autor x, talvez se possa considerar que…). Neste caso, não é a
convicção pessoal que está expressa. Trata-se de uma afirmação aceite pela
comunidade científica ou defendida por um investigador com legitimidade para o
fazer e que, muitas vezes, nem sequer utiliza a modalidade da certeza.
Uma
dificuldade sentida, particularmente, pelos estudantes prende-se com o recurso a
estrutura de sequências explicativas. Por isso é necessário tomarem
conhecimento dessa estrutura. Num texto explicativo, encontramos, com
frequência, a seguinte sequência: uma determinada definição, seguida de
caracterização, com a distinção de subcategorias, e, seguidamente, da devida
exemplificação. Estas diferentes fases são anunciadas e interligadas pelos
conectores lógicos (contudo, mas, no
entanto…) e por performativos discursivos (analisaremos…, definiremos…,
sintetizámos…), incluindo diversas
vozes, marcadas através de introdutores de citação (segundo X…, na sequência dos
trabalhos de…, os autores x distinguem
três categorias…). Os trabalhos que são pedidos no final do Mestrado ou do
Doutoramento obedecem a uma estrutura textual que reflete o próprio processo
investigativo. Numa tese, apresenta-se um projecto de investigação, conduzido,
normalmente, durante um período geralmente longo; porém, é longo o processo de
escrita e, como tal, distanciado da investigação. Numa monografia ou numa
dissertação científica, apresentam-se os resultados de uma investigação sobre
um assunto determinado, designadamente, com parco desenvolvimento, dado o
reduzido período de tempo em que é conduzido o estudo. A construção do discurso
de um trabalho de projecto ou do relatório de estágio acompanha o próprio
processo de investigação-intervenção.
Neste caso, o estudante – investigador-trabalhador – vai conduzir um projecto
ou animar um estágio, tendo o seu trabalho implicações na ação. Contudo, é
preciso ter em conta que, dada a caracterização legal deste tipo de trabalho em
Bolonha, este não se restringe à ação. Assim, para ter implicações na ação (devendo ser de natureza
aplicada), o trabalho final parte da
observação de um contexto profissional, que fará emergir diversas questões e
hipóteses (problematização) que exigem fundamentação (enquadramento teórico), para
identificar correntes e autores que abordaram o assunto antes do estudante, a
definição de conceitos e a distinção de categorias de análise. Ao mesmo tempo,
o autor do projeto ou o estagiário vai conduzindo a ação - criando um determinado produto, desenvolvendo uma
determinada sequência pedagógica, construindo uma página web... -, apercebendo-se
do antes, do processo e do depois. Ao
mesmo tempo que desenvolve o projeto, servindo-se dos dados do enquadramento
teórico para o fundamentar e analisar o seu caso, encontra novas categorias em
outros autores ou na própria observação. Tem, evidentemente, de fazer falar os dados, analisá-los e interpretá-los, de molde
a determinar se os mesmos respondem ou não (ou parcialmente) às
questões-problema levantadas. No final, impõe-se que o discente se interrogue
sobre as implicações do seu trabalho – para si próprio, para o público,
para a empresa e sobre o próprio futuro
do trabalho realizado, enunciando outras possíveis vias de exploração.
Assim
sendo, todos os trabalhos de fim de curso, e independentemente da profundidade,
do número de sujeitos ou de objectos «interrogados», do tempo, do número de
páginas, da integração ou não em equipas de investigação…, exigem as mesmas
competências da parte do estudante-investigador do Ensino Superior
universitário ou politécnico, daí se compreendendo que, no Decreto-Lei nº
74/2006, de 24 de março, as competências não sejam diferenciadas nos dois
subsistemas».