As formas de tratamento em Português são complicadas. Talvez por isso a televisão começou a tratar o telespectador por «você» e agora uma rádio (RFM) passou a tratar o ouvinte por «tu».
Não gosto, mas não gosto porquê?
Quanto ao «você», apesar de corresponder ao «vossa mercê», usa-se no português do Brasil mas em português europeu, até bem recentemente, era considerado uma forma popular de depreciar a pessoa a quem era dirigido. Assim, «você é estrebaria» dizia a minha avó e a minha mãe que eram professoras. Um superior hierárquico poderia dirigir-se assim a alguém que dependesse de si, mas não o inverso. Começou a utilizar-se, de forma mais corrente, com o que ironicamente designo do falar de Cascais que se estendeu a todo o país. Assim, um falante de Cascais fecha as vogais abertas, segmenta as palavras da frase e diz por exemplo.«Gostei /imensooo/ de ir/ à ôpera. Vôcê não/ víuu? (não utilizo códigos de transcrição do oral propositadamente).
Por influência do português do Brasil, das telenovelas ou por esta última razão quase anedótica (maneira de afixar um estatuto social privilegiado, rapidamente recuperado em outros estratos sociais) ou, ainda, por questões de rapidez , comecámos a ouvir entrevistadores a tratar o Senhor Presidente da República por você, membros de júris a tratar os candidatos, médicos, funcionários ... por você.
Então quais as outras formas de tratamento?
Em Português europeu utilizamos designações de cargos, títulos, formas de tratamento nominais como V. Exª, o senhor, a menina... nomes de pessoas que se utilizam juntamente com a 3ª pessoa dos verbos, ou recorremos a elementos não verbais para nos dirigirmos ao outro e suprimimos o pronome: «O Senhor Doutor faz-me este favor.... A Luisinha, coitadinha, partiu a perna! Vai ficar boa rapidamente! ».
A segunda pessoa do plural, «vós», utiliza-se muito pouco. Utiliza-se no discurso litúrgico : «Vós criastes o Mundo» e em algumas regiões do país , nomeadamente em Trás-os-Montes e Alto Douro:«vós ides ao cinema».
No entanto, muitos alunos e até professores, jornalistas, médicos... «confundem o tu e o vossemecê» e dizem «tu fizestes, tu quisestes...».!!!
Quanto ao «tu», quer queiramos quer não, exige uma relação de igualdade ou então uma situação em que o superior hierárquico «autoriza» o outro a utilizar o tu (verbalizando muitas vezes essa relação «trata-me por tu a partir de agora, vamos tratar-nos por tu») ou, então, um ambiente, muitas vezes plurilingue que leva a que sejam adoptadas convenções ligadas a outras línguas-culturas.
E voltando à RFM... a que propósito me dizem «Podes ir à praia amanhã, porque vai estar bom tempo»?
«Pode ir à praia amanhã» até se diz mais rapidamente e depois... eu (e todos os ouvintes deste país) será que autorizámos a estação a tratar-nos assim?
Sei que a língua muda, que a sociedade muda, mas a sociedade não muda assim tanto e não é de estranhar que alguns jovens cheguem a entrevistas de emprego e que comecem a tratar por tu ou por você superiores e colegas. E nem sequer chegam a saber por que foram excluídos! A Escola até pode ser muito permissiva, mas as empresas não o são certamente. Sempre insisti com os meus alunos-futuros professores para que as crianças os tratassem por «Senhor professor X ou senhora professora Y ». Caso contrário, se em casa também tratam os familiares por tu, quando é que aprendem as formas de tratamento? Não é ser elitista. É ter a noção de que muitos excluídos sociais o são por não conhecerem as regras sociais.
Anabela, seguidora deste blogue, não queres contar a história do «vós»? Podes alterar a profissão do locutor. Nem na relação familiar o «tu» foi logo adoptado...eras mais nova!
Blogue de professora de didáctica das línguas, de análise do discurso dos média, de comunicação, de mediaculturas... com «aulas virtureais»... e alguns desabafos.
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Boa noite. Sou estudante do 6º ano de letras da Unesp, São Paulo, Brasil, e tenho um seminário em mãos pra fazer justamente do ponto de que trata nessa postagem: pronomes de tratamento em Portugal. O caso é que achei o artigo interessante e ilustrativo, e gostaria de pedir sua autorização para usar o post inteiro ou em partes. Se sra aceitar, por gentileza, me ceda, se não por aqui, por esse e-mail ruminacoes@ruminacoes.com.br o seu primeiro nome e o nome da universidade e do curso que fez, que procurei aqui e não encontrei... obrigado.
ResponderEliminarTrata-se de um artigo que eu designo de «interessante» ou «achativo», não «demonstrativo», mas o blogue é público. Pode ver essas entradas no blogue.
EliminarObrigado, e os títulos da sra achei aqui, depois de uma lida mais atenta.
EliminarCorrigindo, achei seu perfil bem lá embaixo...
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