quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Comunicação em saúde

Antes de desenvolver este tópico, gostaria de referir quatro situações:
-Há uns 15 anos, foi introduzida nos cursos de medicina, no 1º ano, uma cadeira de comunicação. Perguntava-me então um amigo meu professor catedrático de medicina qual seria a vantagem. Respondi-lhe que esta se destinava a que os médicos obtivessem uma formação  sobre aquilo que ele tinha aprendido, desde o berço, com o pai que era um médico: a relacionar-se com os doentes. A comunicação é informação e relação e não basta formar profissionais com informação.
-Quando exerci funções de vice-presidente do IPS, coordenei o grupo de trabalho que propôs a criação de uma Escola de Saúde e, nessa altura, insisti com os colegas para a necessidade de incluir, nos cursos desta área,  UC de comunicação e de telemedicina.
-Na formação de professores há uns anos, em muitas instituições foram desenvolvidos projetos de micro-ensino e depois de videoformação, fazendo as questões de comunicação objeto de estudo e observação por parte dos professores e supervisores de práticas. Não vejo, hoje, conteúdos de comunicação em muitos programas de didática e de práticas em cursos de formação de professores. Com o regresso em força da linguística... não sei se há espaço para estas questões , apesar de tanto se falar em empatia!  E interrogo-me sobre esta ausência. Mas deixo o desenvolvimento deste tópico para mais tarde.
-A minha investigação sobre comunicação e mais precisamente sobre comunicação não verbal e , posteriormente, multimodalidade  teve origem em práticas de observação de aulas enquanto orientadora. Grande parte da bibliografia existente, ainda agora, sobre o assunto diz respeito à investigação  sobre comunicação em saúde.

E começo aqui o «relatório» do meu «projeto de investigação etnográfica» conduzido durante um mês em 5 hospitais e vários consultórios. O meu «corpus» inclui as intervenções de 7 médicos, umas 10 enfermeiras, estagiárias de uma escola de saúde de um  IP  e assistentes operacionais, creio que é assim que são designados.

O contexto de urgências de hospitais públicos é um inferno o que talvez explique parte das intervenções dos profissionais de saúde. Doentes sempre a entrar, quase sempre idosos com muitas dificuldades respiratórias que mal começavam a recuperar eram enviados para casa. Esta prática de mandar para casa doentes para não figurarem nas estatísticas já a conhecia  pelo facto de a ter vivido com a minha mãe, em Coimbra. Mas, não explica tudo.

O hospital de Tomar é um não- lugar onde se espera por ambulância que transporte o  doente para Abrantes. Se for aneurisma .... todos sabemos o que se passou nas mesmas datas, a partir de Santarém! Em Abrantes, os serviços de observação compreendem 3 ou 4 salas com «currais» onde se acumulam os doentes que  têm a sorte de não ficar nos corredores. Os  pés de um doente podem estar em cima da maca do doente seguinte. O espaço é limitado, com muitos muitos doentes.Como os profissionais  deveriam observar  todos... a sensação não pode ser pior. A proxémica explica possivelmente parte das agressões verbais dos doentes aos profissionais. Tratamento por tu dos doentes às enfermeiras e palavrões são recorrentes...  As enfermeiras, aliás, utilizam também o tratamento por tu em relação a muitos doentes de meios sociais mais desfavorecidos. Acabada de acordar, foi-me dito  «Já não vai ter mais visitas, já que o seu marido lhe veio trazer exames». Desatei a chorar o que talvez não fosse o mais aconselhado, dada as situação e, também eu fui malcriada «quero ser transferida já para a CUF».

Muitas intervenções de solidariedade e de simpatia vieram do pessoal auxiliar e de algumas enfermeiras. Mas para algumas enfermeiras, para alguns dos médicos de serviço (e tão novinhos!!!)  e estagiárias, os doentes são não-pessoas, para utilizar a designação de E. Hall. Quando se trata de atender o doente correspondente seguem os procedimentos adequados, caso contrário não observam o doente (apesar deste estar num serviço de observação), passando da posição de 3/4,  para não deixarem que o doente olhe para eles e portanto para não terem de falar ou de olhar para o doente, mesmo que este se esteja a dirigir  a eles. «E só à hora X que volto a observar e a falar com o doente Y, por isso ele que não aborreça». Será que quando há um problema neurológico não há necessidade de falar com o doente? O ar de profundo aborrecimento de estagiárias, o facto de tão novinhas terem adotado a postura de 3/4 ou olhando para os caderninhos de notas, deixou-me preocupada. Como é que estarão a ser seguidas estas alunas? Como serão avaliadas? Que profissionais estão a ser formadas? Deixo esta perguntas para colegas de Escolas de Saúde.

Não posso dizer que o tratamento tenha sido incorreto, que não tenha sido submetida aos exames adequados, que o médico me tenha parecido inseguro, mas um doente precisa de mais!

Ainda um caso de jovem  médico na Idealmed em Coimbra que me perguntava : «que quer que lhe faça?» e me mostrava na internet o estado em que eu deveria estar, mas não estava, pelo que« se resolvia a questão com Benuron». No dia seguinte, o colega mais velho, em Tomar, não só detetou o problema como  telefonou  a especialistas de diferentes áreas para que fosse vista e me telefonou várias vezes ao longo do dia e semana. Telefonemas e marcações especiais também da parte de neurologista e cardiologista da CUF. Os doentes para estes eram pessoas, como ouvi um deles a dizer ao telefone!  

Estas observações não me podem levar a concluir que da parte dos mais velhos há um cuidado com a relação que não existe na comunicação com os mais novos, também não poderei concluir que o privado é melhor do que o público. Mas não posso deixar de insistir na necessidade dos profissionais de saúde aprenderem não só conteúdos, procedimentos, protocolos mas também soft competências. Estas estão a ser valorizadas nas empresas, por que não na formação destes profissionais?
Nos últimos anos, a rentabilidade é a medida de tudo. Para não haver «insucesso» recusam-se os doentes em situação de risco!  A um doente correspondem X minutos. Se o médico atender mais doentes recebe um bónus... Nas escolas, quanto mais alunos...melhor. E se forem alunos com explicações, e de classes sociais favorecidas... ficam bem numa escola! O «sucesso»  e a posição nos rankings é assegurada!
E com Bolonha... há que privilegiar os conhecimentos técnicos! Não há espaço para questões de comunicação, de línguas ou humanidades. Não há tempo para conversar!
Fico muito preocupada com esta visão funcional quer seja em educação ou em saúde!

  


 

    

«Intertextualidades»: Exposição de pintura de Antígona/Clara Ferrão

Está patente, até 6 de janeiro de 2024, no Centro Cultural Penedo da Saudade , do Instituto Politécnico de Coimbra, uma exposição de pintura...