sábado, 14 de setembro de 2019

A propósito de «Escola Grisalha» de Daniel Bessa, no jornal «Expresso»


A propósito de artigo de Daniel Bessa  no jornal «Expresso» de  hoje.

Leio sempre os artigos de Daniel Bessa que muito aprecio, mas... escreveu sobre professores, na sequência de Relatório da  OCDE. E eu sou Professora! Daniel Bessa também é Professor! 

Daniel Bessa está assustado com a «Escola Grisalha». Refere que a classe de professores está envelhecida (é verdade, não se podem forçar pessoas que já muito trabalharam a ficar na escola se não quiserem e  há professores novos não colocados), mas daí a dizer-se que «o envelhecimento se torna dramático. Falta motivação, falta energia. Falta criatividade. Falta inovação, tanto tecnológica como de métodos pedagógicos». Desculpe Daniel Bessa, no artigo «Escolas Grisalhas»,  mas este seu comentário é «dramático» e é um insulto para a  minha mãe que trabalhou até aos 70 anos e sempre foi inovadora, motivada, criativa; para mim (que saí  muito cedo «para dar lugar a novos» e lamento não ter tido tempo para «passar testemunho» de motivação, entusiamo e inovação;  para toda a classe de professores «grisalhos» que se encontram a trabalhar nas escolas e que tiveram verdadeira formação de professores. Que, possivelmente, só não são «motivadores, criativos, inovadores», porque a sociedade os força a utilizar manuais e a fazer fichas (até em formato eletrónico, a maior parte das vezes, do mais obsoleto possível, do ponto de vista pedagógico) para «preparar para exames do 12 º ano».   O entusiasmo com que dei a «última aula», a energia, a motivação, a inovação tanto tecnológica como pedagógica (a aula  dada na Universidade do Algarve  foi sobre virturealidade), foi a mesma com que utilizei o quadro de feltro ou o gravador de fita, na minha primeira aula do 1º ano do ciclo preparatório. Vejo a mesma atitude nos professores que foram meus estagiários e que estão nas escolas. Estão, talvez, fartos das escolas, das sucessivas mudanças (sem avaliação das mesmas), dos papéis que escrevem, das reuniões, nomeadamente das reuniões de pais... 
Estão fartos de não  terem liberdade, como eu tinha, nos  primeiros anos (depois de 1974),  de não poderem ir ao sótão das escolas buscar um manual de Português  usado (de Isabel Boléo), quando a  escola tinham escolhido um manual horrível,  de sair da minha disciplina para falar do mundo, de não terem liberdade de não cumprir o programa. Mas de levar crianças a  «sair do ninho para aprender», como dizia um dos meus mestres, Michel Serres.
Com tanta «flexibilidade», desculpem...  mas os professores perderam liberdade e, por isso, e por outras razões muitos estão cansados e indignados.
Não só os «grisalhos», interrogo-me sobre a sorte dos jovens professores que chegam às escolas e se deparam com a  organização da escola, como o medo de alunos, de crianças que nunca conheceram regras, de pais que não conhecem regras, de conselhos de turma verdadeiros tribunais com «juízes» que não conhecem os assuntos... Professores  preocupados com a consonância entre as suas correções de testes e as interpretações de pais e explicadores. Para todos só resta uma solução: fazer fichas e seguir critérios de correção das mesmas. A liberdade de professores está reduzida a isto! Caricaturo. Há escolas e professores que resistem, porque são «criativos, entusiastas, estão motivado e conhecem as inovações»!  
Não vou abordar estas outras razões. Situo-me no plano pedagógico, porque é aí que se situa Daniel Bessa. E eu tenho pena desse seu «contributo»  para a «desvalorização» de uma parte da classe dos professores.   


A educação nos programas dos partidos e a comunicação paradoxal

Paul Watzlawick investigador  em pragmática da comunicação da designada Escola de Palo Alto, caracterizava a comunicação paradoxal pela existência de num sujeito ou dois sujeitos comportamentos de double bind. Por exemplo, um  sujeito poderia dizer sim, mas o comportamento não verbal poderia contradizer a sua aprovação, ficando o seu interlocutor na situação de comunicação paradoxal. Comportamentos de double bind podem surgir quando dois progenitores dão ordens contraditórias a uma criança, ou os professores fazem o mesmo.

Só alguns exemplos de contradições perspetivadas em conjunto, com alguns comentários:

Todos os profissionais devem ser avaliados: nas escolas não.
Os professores devem ser valorizados: entrega-se a educação à sociedade civil, aos municípios, aos pais. Enche-se a escola de gente que não sabe, não quer saber, só quer que os filhos entrem em medicina, como acontece em muito boas escolas. Pais que dizem que as aulas de «8 professores de uma turma não são atrativas para os meninos, logo os professores têm culpa das faltas de atenção e indisciplina». Sociedade e pais que dizem quais os conteúdos que os alunos devem aprender! Desculpem, mas que diriam os senhores advogados, engenheiros, médicos se houvesse ingerências na sua atividade?
Os alunos devem ter manuais gratuitos novos. Mas...não há dinheiro, logo deve-se ensinar a poupar.
As propinas devem ser  baixas para todos, mas não há dinheiro e muitas bolsas  não dão para  livros, alojamento e comida para quem precisa. 
Os professores devem ser criativos, flexíveis, mas insiste-se nos manuais, fichas de atividades (papel e eletrónicos).
As neurociências mostram que as crianças foram expostas a  demasiado tempo aos ecrãs o que poderá ter efeitos a nível neurológico e motor (já têm dificuldade em segurar um lápis) e as neurociências também mostram que a cognição e a memória dependem também da mobilidade das mãos. È preciso escrever à mão para pensar.  Dar tabletes gratuitos para todos quando os computadores das escolas estão avariados? Equipem as escolas e não peçam aos alunos para fazerem trabalhos em casa que impliquem computadores!
Aposta nos manuais digitais... já viram os exercícios, sim não são atividades, dos materiais digitais?  Inovação tecnológica com conteúdos da reforma de 1907 (método direto, no ensino das línguas).
Poderia falar de «aulas invertidas», uma inovação pedagógica que vai chegar, mas...  já a adotei logo no início do Moodle e cheguei à mesma conclusão que investigações feitas em França e no Canadá têm mostrado: são boas para os bons alunos. Aliás, essa é uma das tendências apontadas por vários estudos: as inovações mal pensadas favorecem os  mais favorecidos. Sempre gostei de «maus alunos», de os ver a crescer com práticas antigas e inovações.


https://www.academia.edu/8769720/_SOS_Sinto-me_perdida_na_plataforma_._Mudar_pr%C3%A1ticas_no_Ensino_Superior_Ensino_Superior_em_Mudan%C3%A7a_Tens%C3%B5es_e_Possibilidades_._Braga_Universidade_do_Minho_251-258._ISBN-_978-972-8746-80-3
Já agora, apesar dos «cabelos grisalhos»... não me falta entusiasmo tecnológico. Tenho mais de 80 publicações sobre tecnologias. Sou, nomeadamente, autora  da brochura publicada no âmbito do Programa Nacional para o Ensino do Português do Ministério de Educação (com usos propostos para os Magalhães).
http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Basico/Documentos/implicacoes_tic_pnep.pdf    

Termino com um conselho para os partidos: estudem antes de proporem! 




«Intertextualidades»: Exposição de pintura de Antígona/Clara Ferrão

Está patente, até 6 de janeiro de 2024, no Centro Cultural Penedo da Saudade , do Instituto Politécnico de Coimbra, uma exposição de pintura...