Foi divulgado o relatório dos testes intermédios 2010 elaborado pelo Gave.
Tem sido sublinhada a dificuldade dos alunos dos Ensinos Básico e Secundário nas respostas nas provas em Língua Portuguesa. Mas é sobretudo nas provas de Matemática, de Física e Química, de Biologia e Geografia que as dificuldades em compreender e verbalizar operações cognitivas se manifestam. Os alunos do Básico tiveram dificuldade nas questões que «exigiam leitura, interpretação e definição de uma estratégia. Também nos conteúdos que exigiam comunicação escrita de conceitos ou de raciocínios »(Matemática 9º ano). Os alunos do Secundário revelaram, também, dificuldade na «produção e comunicação de raciocínios demonstrativos, compreensão de relações existentes entre os conceitos, selecção, análise, interpretação de informação fornecida de modo diversificado, comunicação de ideias por escrito e, finalmente, produção e comunicação de raciocínios demonstrativos» (Física).
O demonstrativo é problemático não só para os alunos do Ensino Superior que vão ser ou já são professores (cf artigo sobre o achativo, o interessante e o demonstrativo, mas, claro, para os alunos do básico e secundário. É muito mais fácil escrever «eu acho tudo muito interessante ou eu concordo com o autor» do que justificar argumentos, estabelecer relações de causa consequência, construir hipóteses… ah é preciso saber conjunções e empregar conjuntivos…»
Estes resultados levam-nos não só a questionar o ensino dessas disciplinas que passa também por ensinar a verbalizar as operações cognitivas relativas às diferentes disciplinas (e todos os professores são professores de Português), mas também a questionar práticas da aula de Língua Portuguesa. Muitos professores de Português, ainda, continuam a «mandar ler» e a «mandar escrever» sem ensinar a ler e a escrever (basta folhear cadernos de alunos para nos apercebermos do facto de serem, normalmente, os cadernos de Português que têm menos páginas escritas). Por isso os programas insistem e o relatório insiste na necessidade de reforçar fases de escrita nas práticas dos professores dessa disciplina. Mas a aula de Português continua muito centrada no «interessante». Os meninos e adolescentes lêem - quando lêem – os textos de que gostam e continuam a dar a sua opinião sobre os mesmos. O conhecimento explícito da língua nem sempre é sistematizado ou não é contextualizado.
Há 10, 15 anos a nossa colega e querida amiga, infelizmente desaparecida tão cedo, Odete Santos, chamava a atenção para o efeito negativo da retirada do ensino das conjunções dos programas. Ora como aprender noções de causa, consequência, hipótese sem ter o conhecimento da função das conjunções? Estamos a colher os resultados deste erro.
Em Francês, aprendia-se e creio que se aprende a cantilena (a cantilena tem função de mnemónica). Por exemplo, «si -présent- futur-action possible», «si-imparfait-conditionnel-action irréel dans le présent»,«si-plus-que-parfait-conditionnel antérieur-irréel dans le passé». Assim, se eu disser «si je prends le train, je serai à Tomar à midi», estou a assumir que é uma acção possível. Se disser «si je prenais le train à… je serais…». Estou a assumir que já não tenho tempo e, por isso, essa acção é irreal, no momento presente. Ao dizer «si j’avais su, j’aurais fait d’autres choix dans ma vie» estou ,finalmente, a assumir que errei no passado.
Em Inglês aprende-se uma cantilena semelhante.
E em Português? Numa simulação do tipo «se estivesse numa aula e tivesse de explicar x que faria?», tive de corrigir tantas vezes a mudança de plano traduzida na passagem do condicional para o futuro!
Ex: « Nesta situação proporia um jogo… e depois farei um exercício».
Os textos literários, nomeadamente, os poéticos, nos quais os alunos tiveram dificuldade são importantes pela dificuldade da sua construção. A compreensão de metáforas é necessária para a compreensão de textos científicos, para a elaboração de publicidades, construção de sites.
Mas a leitura aprofundada de textos e a escrita de textos demora muito tempo. Exige um grande esforço ao professor e ao aluno. E aqui está uma das razões da dificuldade dos novos alunos e talvez de muitos professores. E, nem sempre, é por falta de vontade. São nativos digitais. Voltaremos a este assunto.
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