quarta-feira, 23 de março de 2011

Discurso Político - O discurso «líquido» e popular

O discurso político era normalmente caracterizado como sendo «langue de bois», quer dizer um discurso com alguma complexidade, com alguma especificidade, tornando-se difícil para o público que considerava que quem era capaz de produzir este discurso sabia do que estava a falar (mesmo que nem sempre acrescentasse muito). Em Portugal, os discursos do antigo Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, foram algumas vezes analisados em termos de «langue de bois». Nem sempre os percebíamos mas sabíamos que eram credíveis.

Parece que o discurso político está a mudar. Na preparação deste post sobre o discurso do Dr. Passos Coelho, acabei por encontrar uma análise sobre a mudança do discurso «langue de bois» para «discurso líquido» no Brasil. Por isso, não é só aqui...

Então vejamos:
Segundo Lívia Falconi ,«O discurso político se caracteriza como um discurso “líquido”, denominação vinda da obra Modernidade Líquida de Zygmunt Baumam, de “fala breve e efêmera (...) discurso curto, descontínuo e ininterrupto” (Courtine,2006), do qual é difícil depreender algo, pois é fluído».

Analisemos então algumas marcas do discurso do Dr. Passos Coelho que tenho vindo a registar:

Marcas de pessoa- Emprego do eu «como (eu) estou convicto que vai haver..convicto de que da clarificação desta crise... «Eu acho...», «Eu penso»

Ou então «O PSD acha», no qual se inclui o eu do líder (cf artigos sobre o achativo).

Emprego de expressões avaliativas: «inevitabilidade», «brevemente», «governo forte», «o pior que...», «clima irrespirável»,«situação pantanosa», «governo mais forte do que este, mais autoridade e mais respeitador», «trapalhadas» (com repetição)...

Emprego de expressões figurativas e metáforas: «perder o comboio», «pingue-pongue», «passo em frente», «estar de calças na mão»!!! «descalçar a bota»...

Estas expressões que podem dar expressividade e clareza a um discurso político se usadas com parcimónia, usadas «a torto e a direito» - como é o caso no discurso de Passos Coelho- reforçam o lado «líquido» do discurso- ou «pastoso»- creio que foi o adjectivo usado pelo Dr. Pacheco Pereira. O emprego de «abrangente, consenso alargado», «solução forte» ... mostram a falta de solidez das propostas.

Quando a crise está à nossa frente como é que pode ser considerada «uma bota»?

Esta metáfora, então, permitam-me o uso do discurso «achativo», «é inaceitável» e choca os portugueses que sofrem o efeito da crise que infelizmente não é uma «bota». Até porque o referido político, ou os políticos que o rodeiam - também com discurso líquido- não nos estão a falar com acções. O Dr. Paulo Portas tem um discurso «langue-de-bois», mas avança - possivelmente até de mais- mostra solidez, estudo dos dossiers.O discurso do Senhor Primeiro Ministro ou o discurso do Senhor Ministro Teixeira dos Santos podem sofrer de «langue de bois», carregados com números e acções, verbos, ausência de termos genéricos. Podemos não gostar - e eu nem sempre gosto, nem das palavras nem das acções,nem do ar com que são apresentados ... mas eu acredito no esforço, no trabalho, no estudo e tenho esperança no resultado.

Onde está o «trabalho de casa» de Passos Coelho ou de Miguel Relvas?
O público não precisa de tanta proximidade, nem a deseja! Um discurso para ser claro não precisa de ser «pitoresco»!

Voltando ao emprego destas expressões com parcimónia. O antigo Presidente da República Dr. Mário Soares diz que o «Senhor Presidente da República não pode sacudir a água do capote». Expressão figurativa também, mas sem carga negativa. A expressão figurativa reforça o apelo «angustiado». Além disso, o Senhor Dr. Mário refere-se ao «Senhor Presidente da República» - e não «ao Presidente da República» como muitos políticos e jornalistas, que possivelmente já não sabem também que o emprego de «o Cavaco», ou «o Sócrates» «desqualifica» os políticos em cargos nacionais.

Podemos suprimir, antes de ou depois do desempenho dos cargos, o «Senhor», ou podemos, quando muito, utilizar o nome sem artigo. Se o Dr. Passos Coelho ou se Passos Coelho for a primeiro ministro escreverei, certamente, «o Senhor Primeiro Ministro».

2 comentários:

  1. Boa Tarde professora.
    A partir de uma busca na internet encontrei o blog da senhora e em uma postagem uma referência a mim, o que me deixou muito lisonjeada.
    Sou a Livia Maria Falconi Pires, Livia Falconi,a quem a senhora faz referência na postagem.
    Creio que tenho muito a apreender com a senhora. Gostaria de trocar algumas palavras com a senhora, se possível.
    Atenciosamente
    Livia Pires

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