sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Literacias multimodais: « Eles não sabem escrever!»
















O número 16 da revista Intercompreensão   tem como tema« Literacias académicas Multimodais». «Com a coordenação de Clara Ferrão Tavares e de Luísa Álvares Pereira, procura centrar-se numa problemática actual e relevante do ponto de vista das transformações por que está a passar o Ensino Superior em Portugal - as Literacias Académicas Multimodais. E desta forma, pretende contribuir para a tematização de um campo que não tem sido objecto de grande reflexão entre nós, apesar da sua tradição em outros países.
Na realidade, quer nos Estados Unidos – Composition Studies –, quer em Inglaterra – Academic Literacies –, esta temática tem já ampla produção de conhecimentos, procurando-se, em alguns países europeus, dialogar com estes dois campos, no sentido de potenciar o conhecimento e  de contribuir para uma reflexão mais rigorosa e mais fecunda  do ponto de vista da Leitura e da Escrita no Ensino Superior. Em França, têm sido organizados vários colóquios sobre esta temática e a Revue de Linguistique et Didactique das Langues (LIDIL), publicada pela Universidade de Grenoble  também tem dedicado largo espaço a esta temática.
Uma nova perspetiva de abordagem das literacias numa ótica de educação plurilingue e pluricultural  tem-se vindo a desenvolver nos últimos anos. Na Platformof resources and references for plurilingual and intercultural education do Conselho da Europa, figuram, na actualidade, vários estudos que questionam as línguas-culturas em relação com outras matérias curriculares. Entre os estudos disponibilizados nesta plataforma, os de Jean-Claude Beacco, Daniel Coste e Piet-Hein van de Vem e Helmut Vollmer põem em evidência a necessidade de desenvolver nos estudantes uma competência plurilingue e pluricultural que, além de permitir transferências entre as línguas-culturas, torne possível ao sujeito movimentar-se nas linguagens que veiculam saberes nas áreas das Ciências Sociais, das Ciências da Natureza e da Matemática.
No caso de Portugal, e tendo em conta que, com o Processo de Bolonha, se reforça a autonomia do estudante na realização de trabalhos académicos, a reflexão em torno das literacias académicas multimodais tem emergido a partir, sobretudo, da dificuldade diagnosticada nos alunos, por parte dos professores, em dominar a leitura e a escrita de géneros académicos a que estão expostos neste contexto. Com efeito, além dos aspectos referenciais dos géneros, estes requerem a gestão e a proficiência em técnicas socioculturais, discursivas e sociolinguísticas, que os estudantes nem sempre dominam. Construir uma tese, uma dissertação, uma monografia, um relatório, um projeto… implica caracterizar, num primeiro tempo, os géneros discursivos que enformam cada tipo de trabalho. Por estas razões, compreende-se quer a dificuldade dos estudantes na aculturação a géneros académicos quer a própria dificuldade dos professores na orientação de todo este processo. Assim, a tematização em torno das literacias académicas tem permitido, antes de mais – mas não só –, questionar a forma como podem ser interpretadas as dificuldades dos estudantes na leitura e na escrita, deslocando o foco da análise para a relação com os contextos nos quais os estudantes escrevem e, logo, para a forma como estes são capazes de entrar nos universos linguístico-culturais exigidas pelas diferentes unidades curriculares. Considerando-se que muitas práticas académicas implicam o recurso a linguagens híbridas declinadas em diferentes meios tecnológicos e em diferentes dispositivos de criação e de partilha de conteúdos, a dimensão multimodal não pode deixar de ser objecto de integração nas designadas literacias académicas.
Conceber os escritos no Ensino Superior como géneros discursivos pressupõe, portanto, uma focalização nos usos reais da língua-cultura em contexto, passando, também, por uma reflexão sobre os diversos eixos temáticos inscritos no universo das próprias literacias. As Literacias Académicas Multimodais podem, por conseguinte, ser entendidas como práticas de cultura a que estão associadas diversas capacidades de agir  no que diz respeito ao tratamento de diferentes textos e linguagens, em diferentes canais, suportes e espaços,  e em condições temporais e  em situações contextuais plurais e, consequentemente, distintos.
Partindo destes pressupostos e das exigências em matéria de Literacia Académica Multimodal, a habitual prática em centrar a intervenção docente no domínio de conteúdos disciplinares específicos tem-se revelado insuficiente face às dificuldades de vária ordem, decorrentes não só da componente linguística (ortográfica, lexical, morfológica, sintática…), como também, sobretudo, da competência referencial, em articulação com a área de especialização,  em que os estudantes se situam, e das competências discursiva e pragmática (em relação com o contexto e com a cultura académica), entendidas numa dimensão plurisemiótica. Atendendo a toda esta realidade, constata-se a necessidade evidente quer de um ensino mais sistemático das especificidades linguística, discursiva e multimodal dos géneros académicos quer de um questionamento dos próprios moldes em que este ensino pode ser feito e do tipo de instâncias das instituições de Ensino Superior em que deve ser proposto.
No contexto Português, e em virtude do aumento de cursos de pós-graduação (de Mestrado e de Doutoramento), esta temática começa, finalmente, a ser contemplada em muitos Seminários e em tantos outros Cursos de escrita científica. Por outro lado, a esta temática aglutinam-se outras que com ela fazem transfronteira e que nos remetem para uma melhor compreensão do universo cultural dos estudantes do Ensino Superior e das suas eventuais dificuldades em se integrarem na língua-cultura da escrita deste nível de ensino. É claro que muitas das questões que se colocam hoje, entre nós, não se centram em torno de um núcleo duro de temáticas. Núcleo este, aliás, próprio de quem já fez caminho e definiu um campo e uma problemática mais específicos para tratamento das Literacias Académicas Multimodais.
(...) 

Os artigos reunidos neste número  permitem, em síntese,  por um lado, levantar questões diversas relacionadas com a problemática das literacias multimodais e, por outro lado, propor pistas para o próprio desenvolvimento destas mesmas vias no Ensino Superior, sem, no entanto, descurarem a continuidade que a aprendizagem das diferentes linguagens implica no processo de desenvolvimento linguístico e cultural do indivíduo».  
Fragmento da Apresentação no número  assinada pelas duas coordenadoras deste número. 




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