O número 16 da revista Intercompreensão tem como tema« Literacias académicas Multimodais». «Com a coordenação de Clara Ferrão Tavares e
de Luísa Álvares Pereira, procura centrar-se numa problemática actual e
relevante do ponto de vista das transformações por que está a passar o Ensino
Superior em Portugal - as Literacias
Académicas Multimodais. E desta forma, pretende contribuir para a
tematização de um campo que não tem sido objecto de grande reflexão entre nós,
apesar da sua tradição em outros países.
Na realidade, quer nos Estados Unidos – Composition Studies –, quer em
Inglaterra – Academic Literacies –,
esta temática tem já ampla produção de conhecimentos, procurando-se, em alguns
países europeus, dialogar com estes dois campos, no sentido de potenciar o
conhecimento e de contribuir para uma
reflexão mais rigorosa e mais fecunda do
ponto de vista da Leitura e da Escrita no Ensino Superior. Em França, têm sido
organizados vários colóquios sobre esta temática e a Revue de Linguistique et Didactique das Langues (LIDIL), publicada
pela Universidade de Grenoble também tem
dedicado largo espaço a esta temática.
Uma nova perspetiva de abordagem das literacias numa
ótica de educação plurilingue e pluricultural
tem-se vindo a desenvolver nos últimos
anos. Na Platformof resources and references for plurilingual and intercultural education do Conselho da Europa, figuram, na actualidade, vários estudos que questionam
as línguas-culturas
em relação com outras matérias curriculares. Entre os estudos disponibilizados
nesta plataforma, os de Jean-Claude Beacco, Daniel Coste e Piet-Hein van de Vem
e Helmut Vollmer põem em evidência a necessidade de desenvolver nos estudantes
uma competência plurilingue e pluricultural
que, além de permitir transferências entre as línguas-culturas,
torne possível ao sujeito movimentar-se nas linguagens que veiculam saberes nas
áreas das Ciências Sociais, das Ciências da Natureza e da Matemática.
No caso de Portugal, e tendo em conta que, com o Processo de
Bolonha, se reforça a autonomia do estudante na realização de trabalhos
académicos, a reflexão em torno das literacias académicas multimodais
tem emergido a partir, sobretudo, da dificuldade diagnosticada nos alunos, por
parte dos professores, em dominar a leitura e a escrita de géneros académicos a
que estão expostos neste contexto. Com efeito, além dos aspectos referenciais
dos géneros, estes requerem a gestão e a proficiência em técnicas socioculturais,
discursivas e sociolinguísticas,
que os estudantes nem sempre dominam. Construir uma tese, uma dissertação, uma
monografia, um relatório, um projeto… implica caracterizar, num primeiro tempo,
os géneros discursivos que enformam cada tipo de trabalho. Por estas razões,
compreende-se quer a dificuldade dos estudantes na aculturação a géneros
académicos quer a própria dificuldade dos professores na orientação de todo
este processo. Assim, a tematização em torno das literacias académicas tem permitido, antes de mais – mas não só –,
questionar a forma como podem ser interpretadas as dificuldades dos estudantes
na leitura e na escrita, deslocando o foco da análise para a relação com os
contextos nos quais os estudantes escrevem e, logo, para a forma como estes são
capazes de entrar nos universos linguístico-culturais
exigidas pelas diferentes unidades curriculares. Considerando-se que muitas
práticas académicas implicam o recurso a linguagens híbridas declinadas em diferentes
meios tecnológicos e em diferentes dispositivos de criação e de partilha de
conteúdos, a dimensão multimodal não pode deixar de ser objecto de integração nas
designadas literacias académicas.
Conceber os escritos no Ensino Superior como géneros
discursivos pressupõe, portanto, uma focalização nos usos reais da língua-cultura
em contexto, passando, também, por uma reflexão sobre os diversos eixos
temáticos inscritos no universo das próprias literacias. As Literacias
Académicas Multimodais podem, por conseguinte, ser entendidas como práticas
de cultura a que estão associadas diversas capacidades de agir no que diz respeito ao tratamento de
diferentes textos e linguagens, em diferentes
canais, suportes e espaços, e em condições temporais e em situações contextuais plurais
e, consequentemente, distintos.
Partindo destes pressupostos e
das exigências em matéria de Literacia Académica Multimodal, a habitual prática
em centrar a intervenção docente no domínio de conteúdos disciplinares
específicos tem-se revelado insuficiente face às dificuldades de vária ordem,
decorrentes não só da componente linguística (ortográfica, lexical,
morfológica, sintática…), como também, sobretudo, da competência referencial,
em articulação com a área de especialização,
em que os estudantes se situam, e das competências discursiva e
pragmática (em relação com o contexto e com a cultura académica), entendidas
numa dimensão plurisemiótica. Atendendo a toda esta realidade, constata-se a
necessidade evidente quer de um ensino mais sistemático das especificidades
linguística, discursiva e multimodal dos géneros académicos quer de um
questionamento dos próprios moldes em que este ensino pode ser feito e do tipo
de instâncias das instituições de Ensino Superior em que deve ser proposto.
No contexto Português, e em virtude do aumento de cursos
de pós-graduação (de Mestrado e de Doutoramento), esta temática começa,
finalmente, a ser contemplada em muitos Seminários e em tantos outros Cursos de
escrita científica. Por outro lado, a
esta temática aglutinam-se outras que com ela fazem transfronteira e que nos
remetem para uma melhor compreensão do universo cultural dos estudantes do
Ensino Superior e das suas eventuais dificuldades em se integrarem na língua-cultura
da escrita deste nível de ensino. É claro que muitas das questões que se
colocam hoje, entre nós, não se centram em torno de um núcleo duro de temáticas.
Núcleo este, aliás, próprio de quem já fez caminho e definiu um campo e uma
problemática mais específicos para tratamento das Literacias Académicas Multimodais.
(...)
Os
artigos reunidos neste número permitem, em
síntese, por um lado, levantar questões diversas
relacionadas com a problemática das literacias multimodais e, por outro lado,
propor pistas
para o próprio desenvolvimento destas mesmas vias no Ensino Superior, sem, no
entanto, descurarem a continuidade que a aprendizagem das diferentes linguagens
implica no processo de desenvolvimento linguístico e cultural do indivíduo».
Fragmento da Apresentação no número assinada pelas duas coordenadoras deste número.
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