Sob a forma de notas soltas, volto a um tema que foi objeto do meu interesse durante muitos anos: «zonas de proximidade entre os discursos dos média e os discursos pedagógicos».
O pretexto para este texto está em artigo de Maria João Guimarães, do jornal Público, do dia 18 de outubro intitulado A confiança que Trump conquistou com a sua «informalidade radical». Este artigo baseia-se numa entrevista a Anna Szilágyi, citando também o linguista linguista Geofrey Pullum.
O léxico reduzido é uma das características do discurso de Donald Trump mas, ele próprio diz «I've got the best words».
Vários estudos têm contabilizado o léxico reduzido, o emprego exagerado de adjetivos, muitos no grau superlativo, que repete a propósito de assuntos positivos e mesmo negativos e o uso de frases incompletas.
«Anna Szilágyi destaca outra imagem de marca do discurso de Trump, o uso de epítetos. É um recurso usado por Homero na Ilíada e Odisseia, lembra: “Aquiles de pés velozes”, por exemplo, no caso de Homero, “crooked Hillary” (Hillary vigarista, sobre a sua adversária em 2016, Hillary Clinton), ou “sleepy Joe” (Joe dorminhoco, sobre Joe Biden, o seu actual adversário), no caso de Trump. Através de repetição, o epíteto cola-se, “reduz o sujeito à característica do epíteto, e estigmatiza-o”, nota Anna Szilágyi» no artigo referido.
E sobretudo o emprego de registo informal que todos usamos com os amigos, mas que não se espera de um político. Com o uso deste registo pretende a aproximação dos eleitores.
Estas características são sujeitas a várias interpretações no artigo, sendo uma delas o declínio cognitivo, até porque Trump não falaria assim, há uns anos. O linguista Geofrey Pullum, da Universidade de Edimburgo, refere que “o seu discurso sugere alguém com pensamentos dispersos, pouca capacidade de concentração, falta de disciplina intelectual e de capacidades analíticas”, declarou ao site Vox» pode ler-se no mesmo artigo.
Mas tratar-se- á também de estratégia: mostrar que o mundo é simples, sem problemas, mudar as perceções das pessoas, levar à memorização dos slogans simples para problemas complexos?
Da leitura deste texto passo para notas soltas sobre a escola.
1. É fácil analisar os discursos dos média, dos políticos... e o discurso dos professores e dos alunos? Até ao final do século, as aulas podiam ser observadas com câmaras, os discursos podiam ser analisados com sistemas manuais, com transcrições (como as que fiz em 1987 e 1991) para tese de troisième cycle e tese Nouveau Régime, na Universidade de Paris 3 e em diversas investigações e publicações. Essas gravações eram objeto de análise em aulas e, nas próprias aulas, eram feitas gravações que eram analisadas, através de metodologia de videoformação. Mais tarde, os meios informáticos vieram facilitar a tarefa. Mas, há uns anos essa possibilidade acabou. Nem com autorizações. o Ministério da Educação até fez gravações a propósito de «aprendizagens essenciais», mas não estão disponíveis. Fazem-se dezenas de teses sobre o que os professores e alunos pensam, mas muito poucas sobre o que os professores e alunos fazem nas aulas. Que registos utilizam nas aulas? Creio que com a preocupação da «proximidade» alguns utilizarão um registo informal (até do «porreirismo»). Pergunta que se coloca: Com quem os alunos de meios menos favorecidos aprenderão os registos formais, uma condição necessária a muitos empregos?
2. O «imediato» tomou conta da investigação e das publicações. O «adquirido» em educação não existe (ou muito pouco). É importante citar artigos dos últimos 5, 3 anos em currículos, em programas de UC... E os clássicos, as referências?... ´Poucas são as referências atuais, por exemplo, sobre observação de aulas ou análise de discursos dos professores e dos alunos. Como se forma um professor sem se saber observar uma aula? Como se formam professores sem aulas observadas? Eu sei- dir-me-ão_« a observação faz parte da avaliação dos professores». Claro, mas como aprenderam a observar? Muitos aplicam «fichas», como os alunos «aplicam fichas», nas aulas e em teletrabalho? E «a observação de aulas» faz parte de didáticas e práticas nos cursos de formação de professores». Também sei? E as referências bibliográficas? E as metodologias de observação de reconstrução ou reconfiguração das práticas? Onde andam? Não as tenho visto. E não é um problema de visão.
3. Código restrito e código elaborado
Por falar em referências, vou a um clássico que morreu no ano 2000 e, por isso, já desapareceu das bibliografias há muito tempo: Basil Bernstein. Lucíola Licínio de C. P. Santos faz uma apresentação clara do trabalho deste autor. Deixo Labov para outro momento. O seu trabalho foi muitas vezes reduzido à distinção entre código elaborado e código restrito, mas ajuda pelo menos a colocar questões.
4. O código de Donald Trump é «restrito», porquê?
Que professores estamos a formar? Se são os alunos com classificações mais baixas, nomeadamente a Português, que professores vamos formar? Devo dizer que, nos últimos anos em que dei aulas, me apercebi, não digo do «código restrito» de alguns candidatos a professor, mas de uma dificuldade comum em explicar ou em argumentar. Mesmo nos mestrados, em colóquios, em congressos...
Desenvolvi este assunto nos artigo «O interessante e o demonstrativo...»
Abordagem acional e competência comunicativa multimodal: estaleiro de apresentações de trabalhos
https://gerflint.fr/Base/Europe10/ferrao_tavares.pdf
Há tantos professores a seguir os mesmos princípios discursivos de Trump! Cuidado colegas do »estudo em casa». Não se esqueçam que são modelos discursivos para centenas ou milhares de pessoas!
A elaboração implica esforço!
5. Poderia ainda acrescentar referência artigo de Clara Ferreira Alves sobre os discursos das emoções, no último « Expresso »: « Quando passámos a utilizadores em vez de cidadãos, sendo utilizador o update de consumidor, passámos a usar as partes menos complexas do cérebro. Em vez de articular uma frase, grande trabalho, podemos usar uma careta amarela e engraçada e assim demonstrar as nossas emoções... Tudo foi simplificado para nos neutralizar equalizando as emoções individuais num emoji colectivo, para normalizar no mínimo tempo e espaço disponíveis ».
Esta simplificação com neutralização das emoções preocupa-me.
6. E, para terminar estas notas soltas... «Falemos de cartas...» de José Tolentino de Mendonça, também no Expresso de 18 de novembro 2020!
Sei que posso ser acusada de um uso pouco cuidado da língua portuguesa nestas mensagens, mas não estou a escrever um artigo, estou a escrever um «rascunho», num registo informal. É essa a característica principal dos blogues: escrita imediata, diferente da escrita elaborada, com tempo.
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