segunda-feira, 11 de julho de 2011

O ministro Conde de Abranhos

Tenho esperado para ver... Mas como não gosto do que estou a ver e  a ler sobre o novo Governo... Permitam-me que comece com a entrevista de Miguel Relvas (por exemplo, anteontem a passear-se em Tomar) ao jornal Templário  e que depois me centre no Ministro Conde de Abranhos.

Devo dizer que gostaria de não fazer estas associações, mas... por favor ...  Senhores Ministros ... já que a preparação  e experiência de alguns  parece não ser grande ... estudem dossiers! Fiquem em casa a estudar antes de falar! É um pedido sincero  e bem intencionado, recorrendo ao humor de Eça de Queirós.

Templário-  «Quais as expectativas em relação a este elenco governativo que acusam de ser tecnocrático?»


José Relvas -« As melhores possíveis. É um Governo dinâmico, de gente sã e muito bem preparada, que tem pela frente uma das mais difíceis tarefas de que há memória no Portugal moderno. É um Governo que vai devolver aos portugueses o futuro, não tenho dúvidas».

E passando  aos tempos de Eça de Queirós... conheçamos o Ministro Conde de Abranhos:
 
«Portugal sabe bem que o Ministério Nacional durou dois anos e o que foi a administração do Conde d'Abranhos nos negócios da Marinha e Ultramar.

Dois serviços que se completam e vivem um pelo outro – as Colónias e a Armada – constituem esse ministério, e, em ambos eles, Alípio Abranhos deixou os esplêndidos vestígios do seu génio administrativo. E notai que o Conde não era, como vulgarmente se diz, um homem do ofício. Até à idade de vinte e um anos – em que, nas. férias do ponto, fez uma visita à praia pitoresca de Buarcos – nunca tinha visto o mar. E esse formidável elemento, que cobre as quatro quintas partes do globo – mundo de trevas e de mistério, juncado de destroços, asfixiador, hostil ao homem – deu-lhe uma impressão que, segundo ele me disse, com aquele vigor pitoresco da sua frase, lhe fizera eriçar todos os cabelos do corpo.

Sempre detestou o mar, e se alguma vez passou a estação calmosa em Cascais, foi unicamente em respeito aos deveres sociais da sua posição no País, ou para comprazer com D. Virgínia, e depois com sua segunda mulher, a respeitável Condessa d'Abranhos. Tal era esta repugnância, que o Conde d'Abranhos nunca visitou a Inglaterra, porque, sendo esse

grande país dos Pitts e dos Chaucers infelizmente uma ilha, não lhe seria possível visitá-lo sem embarcar: e o horror do Conde aos navios era invencível.

Era mesmo um sacrifício grave, quando as suas altas funções o forçavam a visitar algum navio de guerra. De resto, a mesma paisagem marítima – essa infinidade de água azul – causava-lhe,como ele dizia, «um peso estúpido na cabeça», e é portanto mais para admirar que, com esta antipatia pelo mar e por tudo que dele vive ou nele trabalha, dirigisse as repartições da
Marinha com tão grande brilho.

Outra circunstância que torna mais admiráveis esses serviços, é o facto do Conde – tendo dado todo o seu tempo ao estudo das questões sociais – jamais se ter ocupado do conhecimento subalterno da geografia. Segundo ele dizia, nunca pudera reter todos esses nomes esquisitos e bárbaros de rios, cordilheiras, vulcões, cabos, istmos! Assim, por exemplo, nunca compreendeu, confessou-mo muitas vezes, esses cálculos estranhos degraus, latitudes e longitudes, nem dava grande crédito à ciência da navegação. E mais nos admiramos ainda dos serviços que prestou, quando sabemos que o seu conhecimento das nossas colónias não era detalhado. Disse-se, por exemplo, que só.depois de dezoito meses de ministro é que soube, por acaso, onde ficava Timor! Dezoito meses é um exagero pérfido de oposição mesquinha. Mas, aceitemos mesmo que só adquirisse essa insignificante informação depois de alguns meses de gerência dos negócios coloniais: – o queprova isso, senão que a sua vasta inteligência, toda voltada para os altos problemas políticos, não dava valor a essas pequenas ciências de exactidão local?

Uma ocasião, na Câmara, ele falava de Moçambique como se considerasse essa nossa possessão na costa ocidental da África. Alguns deputados mais miudamente instruídos dessesdetalhes, gritaram-lhe com furor.

– Moçambique é na costa oriental, Sr. Ministro da Marinha!

A réplica do Conde é genial:

– Que fique na costa ocidental ou na costa oriental, nada tira a que seja verdadeira a doutrina que estabeleço. Os regulamentos não mudam com as latitudes!

Esta réplica vem mais uma vez provar que o Conde se ocupava sobretudo de ideias gerais,dignas do seu grande espírito, e não se demorava nessa verificação microscópica de detalhes práticos, que preocupam os espíritos subalternos.

Não me compete, porém, nestas reminiscências íntimas do Conde d'Abranhos, fazer a história política da sua administração nos negócios da Marinha. Essa missão gloriosa pertence aos Herculanos e aos Rebelos do século XX.

Eu desejei somente, sem invadir o solo pomposo e difícil da História, deixar aqui consignado que, na minha opinião, de todos esses estadistas, esses poetas ardentes, esses moços de  largo sopro lírico, esses estimáveis cavalheiros que em Portugal, desde a outorga da Carta,têm dirigido os negócios da Marinha e Ultramar, nenhum, como Alípio Abranhos, compreendeu tão patrioticamente o espírito de que deve inspirar-se a nossa política colonial.»


As páginas do deputado Alípio Abranhos sobre educação ou reforma administrativa são uma delícia... Tudo é delicioso e há tantas semelhanças!






















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