Num momento em que se fala tanto da progressão de professores de todos os graus e disciplinas, é necessário pensar-se nos cursos que frequentam, nos diplomas que lhes são atribuídos em provas públicas e nas implicações das problemáticas estudadas na melhoria da sua ação profissional.
Em teses até muito boas interrogo-me algumas vezes sobre as implicações dos estudos em causa até para o próprio candidato. Houve alturas, em que se acumulavam créditos em formações sobre temáticas bem interessantes, mas muito pouco úteis em termos de educação. Os cursos de longa duração têm necessidade de ser escolhidos com a finalidade de melhorar a ação profissional do candidato, contribuir para melhorias na instituição e contribuir para o progresso da disciplina científica, através da adoção de metodologias adequadas que, em áreas como a educação, não têm necessariamente de ser de tipo quantitativo. Em educação, nomeadamente, em Didática das Línguas-Culturas, é necessário desenvolver estudos sobre o que se faz e o que se diz (e como se diz) nas aulas.
A minha última doutoranda, docente de uma Escola Superior de Hotelaria e Turismo, veio propor-me uma tese já começada sobre as representações dos empregadores sobre as línguas em hotelaria. Ficou estarrecida, quando lhe disse: «eu já sei as respostas».
E assim, esta «história» acabou e começou uma nova história, se dúvida, com muitos mais obstáculos, mas também com mais adjuvantes (já que a candidata aceitou o desafio de ver com «eye tracking» o que se passava com os materiais pedagógicos que utilizava e... eu era uma fraca adjuvante nesse domínio, apesar de, até em pintura, andar a estudar estudos com essa metodologia).
E a história ficou terminada no dia 15 de novembro, com provas públicas! Alguns comentários extraídos da minha arguição, em provas públicas, poderão, talvez, ajudar outros candidatos ou jovens orientadores:
«A tese apresentada pela mestre Dulce Mendes Sarroeira à
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias intitulada
Educação em-para-e pelas línguas
de acção académica e profissional: para uma perspectiva acional e multimodal do
ensino do Francês apoia-se, quer em termos temáticos quer metodológicos, em
Didática das Línguas e das Culturas, partindo de uma problematização em contexto profissional,
tendo exigido à candidata a conceptualização prévia, com a construção de um
enquadramento teórico sólido, e a
conceptualização posterior, decorrente do projecto de investigação-ação que
desenvolveu. Trata-se, por isso, de uma tese com implicações na competência
profissional da professora de uma escola de turismo e com implicações para
outras investigações e para a prática de professores de línguas-culturas. (É uma feliz coincidência escrever este post no mesmo dia em que apresento, neste blogue, o número 4 da Revista Synergies Portugal, em homenagem a Robert Galisson).
A tese apresenta interesse
conjuntural, dada a necessidade de se compreenderem os efeitos produzidos por
ambientes e dispositivos tecnológicos nas aprendizagens dos alunos, através da
identificação de marcas discursivas multimodais.
A candidata procedeu a uma revisão rigorosa da literatura
quer em termos pedagógicos quer em termos investigativos, numa perspectiva
diacrónica e sincrónica, perspetivando o ensino da língua francesa numa linha
de estudos sobre o papel das línguas na educação e, nomeadamente, das
línguas nas outras disciplinas, orientação proposta pelos trabalhos doConselho da Europa, com a finalidade
de garantir a equidade na educação, em
consonância com Recomendações Europeias. A candidata procurou identificar o potencial de aprendizagem decorrente de mudanças na sua ação didática (mudanças no espaço e tempo de aula, nos dispositivos tecnológicos e conversacionais e na perspetiva didática). Na
investigação-ação, afastou-se , assim, da linha das línguas «aplicadas»
ao mundo empresarial assente numa conceção
funcional, centrada nos léxicos específicos (abordagem semasiológica), para
adotar uma abordagem «acional», em consonância com os princípios dos estudos sobre as línguas, centrados no desenvolvimento de competências
transversais que se traduzem em operações cognitivas e discursivas comuns a
diferentes campos profissionais (abordagem onomasiológica).
Na perspetiva investigativa (interligada com a ação) aprofundou
o conceito de multimodalidade e procurou adotar metodologias que permitissem
identificar marcas dos efeitos produzidos por dispositivos e suportes
multimodais nas aprendizagens dos estudantes, sob os pontos de vista cognitivo,
empático, relacional e discursivo. Adotou uma perspectiva etnográfica que lhe
permitiu identificar alguns desses efeitos. O recurso a questionários e entrevistas permitiu à candidata identificar representações sobre os efeitos
dos dispositivos tecnológicos utilizados e das mudanças didáticas
adotadas. Para identificar mudanças nos
discursos orais e escritos da professora e dos estudantes, a candidata
serviu-se dos «analíticos» da plataforma Moodle
e de transcrição de registos áudio e vídeo. Serviu-se igualmente da metodologia eye tracking para detetar mudanças decorrentes do uso de formatos diferentes dos mesmos materiais pedagógicos (...).
O facto de saber,
à partida, que a sua problemática
investigativa implicaria riscos e de ter consciência que, em educação, é necessário encontrar
técnicas e instrumentos tecnológicos que permitam identificar marcas de efeitos
produzidos pelos instrumentos e dispositivos tecnológicos é revelador do perfil
de investigadora da Dulce Mendes Sarroeira».
Poderia referir ainda neste post o cuidado na materialidade gráfica e o rigor na escrita.
E, assim, a candidata passou a «doutora» e a orientadora ficou satisfeita. Também ficou satisfeita com a apresentação multimodal feita pela candidata e com a qualidade revelada nas provas. Uma apresentação mais pormenorizada dos resultados do estudo poderá ser lida em futuros artigos.
A história continua.
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