Está patente, até 6 de janeiro de 2024, no Centro Cultural Penedo da Saudade, do Instituto Politécnico de Coimbra, uma exposição de pintura de Antígona. No catálogo, a professora Clara Ferrão evidencia a relação que estabelece com a pintora Antígona. Antígona pinta, como referiu uma das visitantes «os artigos de Clara Ferrão» ou ainda, como referiu um antigo estudante «Antígona pinta as aulas de Clara Ferrão». A professora fornece os conceitos e as «histórias» que Antígona, que se assume como pintora narrativa, transforma. A apresentação esteve a cargo de José Augusto Bernardes, professor catedrático da Universidade de Coimbra.
Intertextualidades
«Todo o texto se constrói como um mosaico de citações, todo o texto é absorção e transformação de um outro texto »[1]
A definição de intertextualidade de Júlia Kristeva, em epígrafe, poderia constituir o único
«texto» desta exposição. A comparação com o mosaico, mosaico de textos,
mosaico de cores, de formas, de
técnicas, mosaico de experiências, de leituras, de viagens… resume a relação entre a professora Clara
Ferrão e a pintora Antígona, resumindo, igualmente, o processo criativo e
técnico da pintora. Antígona constrói os seus «mosaicos» em palimpsesto[1],a partir da «absorção» de textos de Clara Ferrão e
transforma-os, pintando sobre eles. A pintora apaga, no “pergaminho”, inscrições (frases, imagens, cores) que estão
na sua memória, ou na de Clara Ferrão, para as substituir por pinceladas e manchas suas, deixando, no entanto,
transparecer vestígios de inscrições anteriores, o que leva a diferentes
leituras, convocando recordações, por vezes, comuns aos «leitores». Nos trabalhos de Antígona ouvem-se
as aulas, ou as narrativas, nas «vozes» de Clara Ferrão, mas também, as «vozes»
de centenas de alunos que com ela dialogaram. E as «vozes» de cientistas, escritores, pintores, músicos,
bailarinos… umas vezes, de forma explícita, recorrendo a colagens; outras vezes, vozes, textos e telas interpenetram-se , deixando transparecer
porosidades entre os vários planos. Antígona deixa pinceladas nas
palavras da leitora, investigadora, observadora, professora de literatura, de
linguística, de análise dos média, de didática das línguas, de educação. E
sobretudo… diverte-se a construir os seus mosaicos com as suas histórias! E a partilhá-los!.
Os trabalhos apresentados nesta exposição, intitulada Intertextualidades,
englobam duas configurações
conceptuais comuns à professora e à
artista: comunicação interpessoal multimodal e «mestiçagem de culturas».
A comunicação multimodal surge, porque «não podemos não comunicar» uma vez
que «não podemos não ter comportamento»[2]. Assim, o contexto, o
espaço, o tempo, o corpo e os dispositivos tecnológicos condicionam a
comunicação interpessoal e multimodal.
Propor trabalhos agregados pelo conceito de «mestiçagem de culturas»
justifica-se nesta exposição, sobretudo
neste contexto de comunicação multimodal, num
Centro Cultural do Ensino Superior Politécnico. A expressão é
utilizada no sentido que tem, na origem, o pensamento do
filósofo Michel Serres[3]: «mestiçagens de culturas humanísticas,
científicas, artísticas, tecnológicas». Clara Ferrão declinou este conceito, enquanto professora e
ex-vice- presidente do Instituto Politécnico de Santarém, deixando
marcas desta visão da educação nos
próprios estatutos e planos de estudo da
sua instituição. Já Antígona é uma pintora «mestiça», definindo-se, ainda,
como pintora narrativa. Esta
exposição é a história do encontro de Clara Ferrão com Antígona. O catálogo foi construído também como um
«mosaico» de «textos» de Clara Ferrão –
pretextos para o traço de Antígona que,
no seu jogo, dá a ler, a olhar, ou a
ouvir interiormente, algumas das vozes convocadas nos seus «textos».
Vozes e olhares cruzados das duas que
procuram cruzar-se com o público!
[1] Júlia Kristeva, Poética nº27, 1974
[1] «Toute écriture est un palimpseste», segundo Gérard Genette,1982.
[2] Paul Watzlawick. Une logique de la communication,1967.
[3] Michel Serres, «Le tiers instruit», Paris : Folio,1992.