domingo, 2 de junho de 2019

Michel Serres e Antígona: «Mestiçagem de culturas»

Michel Serres também inspirou Antógona. «Mestiçagem de culturas» é o título do trabalho oferecido À ESEC da Universidade do Algarve, na «última aula» simbólica  que dei nesta Instituição que escolhi para este ato simbólico. Depois já dei outras conferências, mas esta foi especial, comemorou 30 anos de cursos de formação de professores de línguas. 


Em setembro de 2019, Antígona vai estar em Almeirim com uma exposição intitulada «Mestiçagem de culturas». A folha de sala ainda não está feita, mas aqui ficam dois trabalhos com o título emprestado de Michel Serres.

Aprender com Michel Serres :«quitter le nid»

Não sei quantas vezes citei Michel Serres, nas minhas aulas e comunicações...

Só a título de exemplo


Viajar para aprender: implicações e potencialidadesdas TIC no desenvolvimento da literacia 
 Março de 2010


«Em 1976, na sequência da publicação de Un Niveau Seuil, obra que iria ter grandes implicações na aula de língua (estrangeira mas também materna), Eddy Roulet colocava a seguinte questão: «À quoi bon introduire dans les cours un document authentique pour le réduire à une analyse grammaticale traditionnelle?» (Eddy Roulet, 1 Este artigo retoma partes e propostas apresentadas na brochura Implicações das TIC no Ensino da Língua, Ferrão Tavares e Barbeiro (no prelo), disponibilizada no âmbito do Programa Nacional de Ensino do Português (PNEP). 70


 Colocámos esta mesma questão no momento em que fomos encarregados de propor uma brochura sobre as implicações das TIC na aula de língua, no âmbito do PNEP. A metáfora que está na base da designação dos computadores, apesar de ser posterior à brochura construída, resume a nossa perspectiva: para que os alunos possam ser «Magalhães». Michel Serres em «Le tiers instruit» convida alunos e professores à viagem porque «aucun apprentissage n’évite le voyage». E o filósofo acrescenta ainda em relação a si próprio «je n’ai rien appris que je ne sois parti, ni enseigné autrui sans l’inviter à quitter le nid» (1991 : 27). Os computadores vão dar (nas escolas onde há Internet) a possibilidade a todos os alunos de «sair» da sua sala e “viajar” na descoberta e construção do conhecimento, para encontrar outros alunos, outras escolas, outros espaços de aprendizagem. Viagem que implica um projecto, um roteiro; que implica armazenar “víveres”, vencer obstáculos com esforço e determinação, para se obter a gratificação da chegada. «Qui ne bouge n’apprend rien» (idem. p.28) sublinha, ainda, Michel Serres.


 Equipar escolas e fornecer computadores aos alunos para estes fazerem só “jogos”, palavras cruzadas, sopas de letras, exercícios de completamento de espaços, ou colocar quadros interactivos multimédia para que os alunos “arrastem” imagens de objectos para junto de palavras ou frases não nos parecem justificações suficientes para o enorme investimento em tecnologias, mesmo considerando o efeito no reforço da motivação dos alunos

 Do mesmo modo, fornecer computadores aos alunos para que estes viajem sozinhos, na escola ou em casa, muitas vezes trancados nos quartos, poderá gerar efeitos indesejáveis. Torna-se , assim necessário que a Escola assuma o papel de “guia”. «Sous la conduite d’un guide, l’ éducation pousse à l’extérieur» (ibidem) refere ainda o filósofo francês. A brochura sobre As implicações das TIC na aula de língua pretende ajudar os professores a desempenhar essa função. Permitam-nos um recuo no tempo e nas «tecnologias». A observação de algumas propostas de materiais pedagógicos para utilização nos computadores ou nos quadros interactivos fizeram-nos «viajar» no tempo em que éramos alunos ou até no tempo em que os nossos pais foram alunos (...)»

Michel Serres no Instituto Politécnico de Santarém

No momento em que  o filósofo francês Michel Serres nos deixou, convirá  prestar-lhe homenagem. A memória é fundamental para compreender as instituições e preparar o futuro das mesmas. Michel Serres nunca esteve no IPS. Mas, o IPS deve-lhe muito. Os conceitos que elaborou estiveram ou estão presentes nos documentos programáticos de diferentes  unidades. Não sei se todos se lembrarão e identificarão  o autor de alguns conceitos, mas é minha obrigação enquanto docente do IPS associar-me a todos os que, hoje, escrevem sobre o grande Filósofo francês.

Michel Serres  também  esteve presente nos meus programas de unidades curriculares e  na organização das minhas aulas, como ex-estudantes se lembrarão. Também inspiraram a pintora Antígona que irá apresentar, em setembro, na Galeria da Câmara Municipal de Almeirim, uma exposição intitulada «Mestiçagem de culturas». Mas essas dimensões serão abordadas em outro post.

Aqui, é da sua «presença» no IPS, em vários momentos, alguns apagados, como o projeto de Escola Superior de Saúde que coordenei, enquanto Vice-Presidente do IPS. No projeto desta Escola, que viria  a conhecer um caminho diferente do que estava traçado e que desconheço, as tele-medicinas cruzavam-se com saberes humanísticos, artísticos e científicos... Espero que  este cruzamento, ainda, seja uma prioridade da nova Escola, dada a necessidade de formar «mestiços de culturas» científicas, tecnológicas, mas sempre com a dimensão humanística, em Saúde.

Há outros momentos em que Michel Serres foi convocado na história do IPS.  Por exemplo, no Anuário do IPS de 1999-2000,  que coordenei.  Mas o filósofo francês foi  sobretudo convocado por um pintor do IPS, José Manuel Soares, pintor e professor da ESE,  que criou uma metáfora  visual de «Arlequim: um mestiço de culturas». O IPS  deveria ser esse «Arlequim».  O  trabalho original deve, possivelmente,  encontrar-se no Gabinete da Presidência do IPS.     




Anuário do IPS 1999-2000


Como a minha memória  me pode falhar, o melhor, para reavivar a memória da Instituição,  consiste em reproduzir, aqui, o meu discurso de criação da Unidade de Investigação do Politécnico, enquanto Diretora desta Unidade, em 2010:


«Declaro o nascimento da Unidade  de investigação  do IPS: UIIPS
   
A Unidade de Investigação do IPS tem como conceito e missão  contribuir para a “produção e difusão do conhecimento, criação, transmissão e difusão do saber de natureza profissional, da cultura, da ciência, da tecnologia, das artes, da investigação orientada e do desenvolvimento experimental”, de acordo  com os estatutos do IPS, publicados no Diário da República, 2.ª série, N.º 214 de 4 de Novembro de 2008.
Na sequência  desta frase  dos Estatutos do IPS, a UIIPS adoptou  o conceito de «mestiçagem de Culturas», ou prevê-se que adopte porque o Regulamento não está aprovado ainda,  designação que resulta de um empréstimo lexical ao filósofo francês Michel Serres, na obra « Le tiers instruit».
Retomo então a frase de Michel Serres: «o  cidadão do futuro é  Arlequim: um mestiço de culturas : científica, tecnológica, artística, humanística».

Foi a partir desta citação que, em 1997, propus ao Senhor Presidente do IPS,  na qualidade de Vice- Presidente do IPS e coordenadora dos IP para a organização do Congresso sobre investigação, a encomenda  ao  pintor e docente deste Instituto José Manuel Soares de uma obra que retomasse a metáfora de « Arlequim, mestiço de culturas» do filósofo francês, desenvolvida em livro, publicado na altura, «Le tiers Instruit». Arlequim, que  começa por ser uma personagem da comédia italiana que faz divertir o público, para se transformar, no século   XVIII, numa personagem mais espiritual, sensível e com profundidade dramática, sem perder o humor.
Temos assim os conceitos de  Arlequim, vestido de várias peças, capaz de transformação, com rigor, sensibilidade e humor. As peças  coloridas encontram-se no quadro, compondo o conceito de puzzle  Foi por isso que gostei desta metáfora linguística e icónica.
Mas a maior  «transformação» foi operada pelo pintor José Manuel Soares que, além do conceito de diversidade expresso através  do puzzle, do colorido,  retomou, em palimpsesto, a  representação do homem de Vitrúvio   de Leonardo da Vinci. E já estamos a ver a articulação entre Roma, o Renascimento e os nossos dias: metáforas da  construção,  da articulação de temporalidades diferentes, de transformação, de harmonia, de confiança nas descobertas do Homem.  Vitrúvio, arquitecto romano - dele deriva o conceito de rigor, de equilíbrio, de construção. Leonardo da Vinci,  escultor, arquitecto, engenheiro, pintor, físico, matemático, investigador em anatomia, organizador de festas, em resumo investigador,  cientista, artista, inventor, um «mestiço de culturas». Assim, em palimpsesto, podemos encontrar nesta tela, reproduzida no Anuário do IPS de 1999-2000 do IPS que coordenei,    as metáforas da harmonia, da mestiçagem entre domínios do saber e artes, cultura, versatilidade e profundidade. Acho que devemos ao  Investigador, artista e professor José Manuel Soares uma salva de palmas pelo seu trabalho que constitui um marco na história do Instituto.
São todos estes conceitos que deverão caracterizar a UIIPS que se apropriou desta representação  pictórica: Construção transformação, equilíbrio, rigor, qualidade estética, harmonia, confiança, diversidade, versatilidade, profundidade, mestiçagem ou interdisciplinaridade.

São estes os nosso conceito de UIIPS e que estão  declinados no programa que propusemos ao Conselho Científico (eu e o Vice-Presidente Pedro Sequeira) e que iremos apresentar em seguida.
Promover a articulação entre culturas, do passado do presente, antecipar o futuro, aumentar a intervenção, contribuir para o desenvolvimento é esta a finalidade da UIIPS.  Dar visibilidade à investigação que tem  de estar na base da docência e da intervenção, passar da investigação individual ou de pequenas equipas  para redes de conhecimento; responder às necessidades de desenvolvimento da região e simultaneamente internacionalizar  a investigação são objectivos que  fazem parte desse programa.
(...)
Criar uma identidade, uma cultura de «mestiçagem de culturas» é a nossa grande dificuldade, mas,  simultaneamente, o nosso maior desafio. Todos somos funcionários do IPS, todos somos docentes das Escolas e todos somos investigadores da UIIPS. Esta é a partir de hoje uma  componente da nossa identidade. Da nossa parte, tudo faremos para a criar e desenvolver essa identidade. Contamos com todos».
Retirado do discurso de tomada de posse da Diretora e Sub-Diretor  da UIIPS, em 2010.
       
Neste momento em que o filósofo Michel Serres nos deixou,  presto , assim, a minha homenagem  emocionada, enquanto Professora coordenadora aposentada  do Instituto Politécnico de Santarém, a este  grande Mestre.

Homenagem a Santana Castilho

Não me despedi do Professor e amigo, porque, há uns tempos, deixei de ler os seus artigos e a Covid impede-me de estar hoje com ele. Mas, vo...