terça-feira, 23 de junho de 2015

As línguas nas outras disciplinas curriculares.

As línguas nas outras disciplinas curriculares. As línguas nas práticas académicas
Texto de preparação para eventual seminário

As línguas são disciplinas que atravessam todas as disciplinas e, por isso, explicam muitas vezes o insucesso nestas. Apesar de se considerar que «todos os professores são professores de língua materna», por um lado, nem todos os professores querem intervir quando se fala da competência comunicativa dos alunos/ estudantes, por outro, nem todos os professores sabem intervir, mesmo os professores de língua materna, quando se trata de outros domínios disciplinares. Ora a dificuldade nem sempre está na especificidade das outras matérias, residindo, muitas vezes, na incapacidade de mobilizar as operações cognitivas  adequadas e de as verbalizar. Estudos conduzidos por equipas pluridisciplinares do Conselho da Europa têm levado à publicação de referenciais que podem ser adotados na formação de professores, nomeadamente documentos integrados na rubrica Langue(s) des autres matières da  Plataforma


Plateforme de ressources et de références
pour l’éducation plurilingue et interculturelle

http://www.coe.int/t/dg4/linguistic/langeduc/BoxD2-OtherSub_fr.asp#s1
O Relatório de 2012 do EU HIGH LEVEL GROUP OF EXPERTS ON LITERACYdesenvolve um conceito que  pressupõe  uma competência plurilingue e pluricultural: o conceito de literacia multimodal 

Neste Relatório defende-se  a necessidade de desenvolver   nos alunos/estudantes e sobretudo professores  uma «MULTIPLE LITERACY» que é definida como:
Multiple literacy: the ability to use reading and writing skills in order to produce, understand, interpret and critically evaluate multimodal texts».
Neste relatório é apresentada a seguinte sugestão «MAKE EVERY TEACHER A TEACHER OF LITERACY».

Em todos os ciclos do  Ensino Superior é, assim, necessário desenvolver a literacia multimodal, mas é  nos outros ciclos que as competências subjacentes à literacia multimodal devem começar a ser desenvolvidas, na linha do que é ainda referido no Relatório que teve como relator Roberto Carneiro:
«Mainstreaming reading literacy across the curriculum, addressing reading aspects in the subject curricula throughout secondary education, whether in academic or vocational routes. Curricula need to integrate more reading and comprehension aspects in other subject areas besides the national language, such as mathematics, science and technology».
Passando ao contexto Português e interrogando-nos sobre a competência comunicativa dos alunos espelhada (parcialmente, claro!)  nos resultados dos exames, não nos surpreende que muitas dificuldades estejam nas «línguas nas outras matérias».


ENSINO BÁSICO E ENSINO SECUNDÁRIO
   Nas  Provas Finais — 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico, Relatório Nacional: 2010-2014, do Iave 2015 (http://iave.pt/np4/file/182/Relat_EB_2015_LV.pdf),  pode ler-se:
«As dificuldades significativas verificadas na resolução de problemas e nas situações que implicam comunicação e raciocínio matemáticos requerem a resolução sistemática de problemas que impliquem a identificação da informação relevante IAVE — Relatório Nacional do 2.º e 3.º CEB — 2010/2014 55/58 (leitura e interpretação do enunciado), a utilização de contextos e de estratégias diversificadas, a verificação dos resultados alcançados e a discussão das estratégias utilizadas e dos resultados obtidos».

Já em 2012, as Conclusões do Relatório do Gave PROVAS FINAIS DE CICLO E EXAMES FINAIS NACIONAIS 2012 apontavam para dificuldades do mesmo tipo:
http://iave.pt/np4/file/111/RelExames_2012_23jul.pdf
«Podemos, pois, concluir que se deve continuar a insistir na necessidade de assegurar a melhoria de desempenho ao nível dos processos de leitura e de escrita. As fragilidades, a este nível, são recorrentemente diagnosticadas na análise dos resultados da generalidade das disciplinas, sobretudo na de Português, mas com igual relevo nas áreas da Matemática, das Ciências Naturais e das Ciências Sociais e Humanas, em qualquer dos níveis de ensino em causa. A dimensão da leitura reflete-se na capacidade para entender os enunciados e os suportes que constituem cada prova (o que implica desde logo a plena compreensão do significado dos verbos de comando dos itens)5 . Quando a qualidade da leitura apresenta fragilidades, esta reflete-se também na qualidade das repostas a qualquer dos tipos de itens (seja nos de resposta de seleção, seja nos de resposta construída), tendo consequências nos resultados finais alcançados.                                                            4    Os resultados de vários anos de aplicação de Provas de Aferição e, mais recentemente, dos Testes Intermédios do 2.º ano de escolaridade (2011 e 2012) nas disciplinas de Português e de Matemática confirmam esta evidência. 5 Ser capaz de fazer a distinção entre o que se exige de uma resposta cujos verbos de comando sejam «refere», «identifica», descreve», «carateriza» e de outras em que o comando seja «explica», «relaciona», «demonstra» é condição essencial para não ver limitada a oportunidade de apresentar respostas cuja classificação evidencie um bom desempenho. As dificuldades ao nível da leitura, quando no plano concreto da leitura inferencial, condicionam ainda a utilização adequada da informação contida nos suportes que acompanham muitos dos itens da generalidade das provas - como textos, tabelas, gráficos, mapas, entre outros. Já no que se refere à produção escrita, as dificuldades evidenciadas na redação de um texto bem estruturado e coerente, quer no plano formal quer no plano do conteúdo (onde não se devem ignorar fragilidades genéricas no que se refere ao uso de terminologia específica de cada disciplina), refletem-se, em particular, em piores desempenhos nos itens de resposta construída extensa, cujo peso relativo na distribuição da cotação de muitas provas é significativo. Em contextos disciplinares mais específicos, para além das capacidades e limitações no uso das ferramentas linguísticas atrás elencadas, os resultados continuam a mostrar que, em termos médios, são persistentes as dificuldades em várias vertentes, de que se destacam as capacidades para: · estabelecer adequadamente conexões entre os vários tópicos de uma mesma disciplina; · desenhar estratégias de resposta que impliquem duas ou mais etapas na sua construção; · explicitar relações causa-efeito; · desenvolver raciocínios lógico-dedutivos, bem como raciocínios demonstrativos; · resolver problemas». P.136-137

ENSINO SUPERIOR
No Ensino Superior, o Decreto-Lei 74/2006 (alterado e republicado em 7 de agosto de 2013) define as competências que os estudantes dos três ciclos devem revelar no final do seu percurso,  prendendo-se algumas destas competências com o domínio das línguas nas outras matérias ou, por outros termos com a competência plurilingue e pluricultural dos estudantes.
Assim , no que diz respeito a Licenciatura, artigo 5, os estudantes devem revelar:
d) Capacidade de recolher, selecionar e interpretar a informação relevante, particularmente na sua área de formação, que os habilite a fundamentarem as soluções que preconizam e os juízos que emitem, incluindo na análise os aspetos sociais, científicos e éticos relevantes;
 e) Competências que lhes permitam comunicar informa- ção, ideias, problemas e soluções, tanto a públicos constituídos por especialistas como por não especialistas;
No que diz respeito a Mestrado, artigo 15, os estudantes devem revelar:
c) Capacidade para integrar conhecimentos, lidar com questões complexas, desenvolver soluções ou emitir juízos em situações de informação limitada ou incompleta, incluindo reflexões sobre as implicações e responsabilidades éticas e sociais que resultem dessas soluções e desses juízos ou os condicionem; d) Ser capazes de comunicar as suas conclusões, e os conhecimentos e raciocínios a elas subjacentes, quer a especialistas, quer a não especialistas, de uma forma clara e sem ambiguidades;
No que diz respeito a Doutoramento, artigo 28, os estudantes devem revelar:
d) Ter realizado um conjunto significativo de trabalhos de investigação original que tenha contribuído para o alargamento das fronteiras do conhecimento, parte do qual mereça a divulgação nacional ou internacional em publicações com comité de seleção;
 e) Ser capazes de analisar criticamente, avaliar e sintetizar ideias novas e complexas;
 f) Ser capazes de comunicar com os seus pares, a restante comunidade académica e a sociedade em geral sobre a área em que são especializados».


Ora, basta assistir a defesas públicas ou a apresentação de investigações em colóquios para nos apercebermos das dificuldades sentidas pelos estudantes  e  mesmo por muitos professores.
Os estudantes revelam, muitas vezes, dificuldades ao nível da conceção de tipo de trabalho de escrita académica, da estrutura da mesma,  confundem «o demonstrativo e o interessante» (cf Porcher), utilizando marcas de modalização apreciativa logo no início de teses, dissertações ou relatórios («eu acho, evidentemente… «e se já sabia a resposta não precisava de investigar!». Essas marcas são, ainda, mais frequentes  na elaboração de relatórios que se revelam «muito gratificantes«, correspondendo a «experiências» no terreno que os estudantes consideraram «muito inovadoras» e «muito motivadoras»! Os «enquadramentos teóricos», são frequentemente  parágrafos inteiros sobre generalidades e banalidades, com colagens,  transcrições descontextualizadas no tempo (Vigotsky, por exemplo legitima com frequência  o uso dos computadores, embora se compreenda que estes têm «potencialidades» para o desenvolvimento da criança ou até do adulto, como outros dispositivos no futuro!). Em outros casos, os estudantes  fazem dizer aos autores o que eles nunca teriam dito. Até pelo uso dos conectores que são utilizados e pela ausência generalizada de introdutores de citação. Introdutores de capítulo, referências ao já dito, anafóricos… não são necessário porque… pertencem a ficheiros diferentes! Pelo mesmo motivo, os conceitos que deveriam surgir no enquadramento teórico para serem retomados nas categorias de análise e nas conclusões ficam a «dormir» no 1º capítulo do enquadramento!  Ou então cola-se o mesmo parágrafo em várias secções. Como se lê no ecrã e se enviam os textos cada vez mais por via digital aos membros dos júris… ! Para as apresentações orais , podem ler-se comentários em outro post. 

Com dezenas ou centenas de mestrado, que fazem   os orientadores? Começam a surgir seminários de escrita académica integrados ou não nas formações (Nos países anglófonos e francófonos já existem há muito tempo!). 


Nunca falei da minha experiência de Perita da A3ES no blogue, mas creio que poderei dizer que, nas recomendações, insisto para a inclusão de conteúdos, nas UC ou em UC - Seminário específico,  que desenvolvam as competências dos artigos referidos do  Decreto-Lei 74/2006.  Também posso referir que aconselho como bibliografia  os trabalhos do Conselho da Europa  para as «Línguas nas outras Matérias» (Língua em História, Língua em Matemática, Língua em CiênciasNaturais, Língua em Literatura).  Muitos  CE de 2º Ciclo combinam, no perfil de docente, o Português, com o Inglês, com a História e Geografia, com as Ciências e a Matemática…

Os estudantes de Bolonha têm de comunicar para encontrar trabalho! Os professores sempre foram comunicadores! 
A situação exige formação dos professores! Há muitos anos adotei a videoformação, metodologia de formação que combinei com diferentes tecnologias. Adotei formatos contraídos para apresentações multimodais. Segundo os jornais da semana passada, foi apresentada uma tese em 7 minutos (Pechakucha) ! Um acontecimento jornalístico! Os meus alunos já o fizeram há alguns anos, numa fase intermédia. Na fase final? O tempo também é necessário para a organização e comunicação do pensamento! 
Em alguns casos, as hiperligações não funcionam, daí a explicitação do endereço!



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