Ir à escola para aprender a ler, escrever e googlar é o título da peça assinada por João Pedro Pereira, Maria João Lopes, Samuel
Silva e publicada no P 2 A Escola num Ecrã, suplemento do jornal Público, do dia 30
de março de 2014.
Mais uma vez o Público interessa-se pelas «zonas de
proximidade entre a Escola e os média» tema sobre o qual me tenho debruçado
durante muitos dias da minha vida. Tema com actualidade conjuntural, educacional, social (e política)!
Não posso, no entanto, deixar de constatar a falta de memória do
Ministério da Educação. E como fui paga pelo Ministério da Educação para,
integrada numa equipa, construir um modelo
de formação e dinamizar formação de professores, no sentido de estes utilizarem as
tecnologias para levarem os alunos a aprender a ler e a escrever
ou para aprender «googlando», para parafrasear o título da peça, pretendo
contribuir com este post (e intencionalmente escrito sob a forma de post a enviar por email também ao ME , à Fundação Gulbenkian e à direção do jornal Público) para um melhor
conhecimento do «património» do Ministério da Educação.
«Será que existem conteúdos que cobrem todas as áreas e
níveis de ensino?» questiona o responsável pelos Recursos e Tecnologias
Educativas da Direção- Geral da Educação, José Moura Carvalho, na referida peça.
«Já não houve dinheiro para fazer mais formação» (no Plano
Tecnológico da Educação), refere o mesmo responsável.
E aqui permito-me responder que há conteúdos e houve formação (pelo menos em Português, embora não no PNE) e, como o Português está nas outras matérias, nomeadamente quando se recorre às
tecnologias, como sublinham estudos internacionais e como revelam análises de provas de exame do ME, a resposta é, por isso,
afirmativa.
Houve um programa que foi criado pelo Despacho nº 546/2007.
Tratou-se e trata-se do PNEP (porque ainda há professores «pnepianos», como
eles próprios se designavam e designam, que estão nas escolas). No âmbito do ponto 15 deste Despacho, pode
ler-se que o Ministério assegurava: «A manutenção de um sítio na Internet para
disponibilização de conteúdos produzidos no âmbito do Programa, em articulação
com a Comissão Nacional de Coordenação e Acompanhamento» (CNA). No ponto 18,
competia à CNA «e) construir e divulgar brochuras, em suporte de papel e on
line que funcion(assem) como como organizadores de formação para os domínios
necessários à implementação do Programa;», e ainda (neste âmbito das
tecnologias) «i) desenvolver e alimentar uma plataforma de comunicação(…) j)construir
e divulgar materiais didácticos, em suporte papel e on line…».
Pelo mesmo despacho, fui nomeada para integrar a CNA do PNEP e, dada alguma experiência em dispositivos de
blearning associados à formação em Didática das Línguas- Culturas, passei a ser (juntamente com Luís Filipe Barbeiro) responsável, no PNEP, pela formação no domínio das tecnologias.
A CNA foi coordenada por Inês Sim-Sim, Professora Coordenadora do Instituto Politécnico de Lisboa. Como se pode ler na sua obra Desenvolvimento Profissional no ensino da
língua. Contribuições do Programa Nacional do Ensino do Português, obra
publicada em 2012 pelas Edições Colibri/Instituto Politécnico de Lisboa (e, claro nos Relatóros do PNEP
entregues no ME), este programa abrangeu 8333 professores do 1º Ciclo, sendo que
468 se tornaram «formadores residentes» (bolsa de formadores nos agrupamentos)
(p. 37). Formadores e formando dinamizaram os agrupamentos, tendo o PNEP produzido efeitos no pré-escolar e no 2º Ciclos. Em 2009 - 2010, terminou oficialmente o programa.
Do programa do PNEP constava o conteúdo seguinte: «(iv) A
utilização do computador como recurso de aprendizagem da língua por adultos e
por crianças, contemplando as seguintes dimensões: dispositivos tecnológicos e
comunicativos (páginas pedagógicas, blogues, enciclopédias,…) Arquitectura do
hipertexto (processos de coerência discursiva) e operações cognitivas. Usos dos
suportes e linguagens pelas crianças e aprendizagens colaterais. Exploração dos
recursos da rede. Produção de materiais em formato electrónico» (Sim -Sim: 23).
Passando aos produtos ou às marcas visíveis deste programa,
A primeira marca é a brochura publicada pelo ME, Direcção-Geral de
Inovação e de Desenvolvimento Curricular, em 2011 . As implicações das TIC no Ensino da Língua, já depois do encerramento do programa. A brochura, sob formato provisório, ficou acessível on line em 2007-2008.
Autores
Clara Ferrão Tavares e Luís Filipe Barbeiro
A brochura está disponível num site descontinuado da DGIDC (e portanto desqualificada,
como todas as outras e o próprio Programa) do Ministério da Educação. No ME está no «Histórico» em «Outros projetos».
Nela podem ler-se as seguintes palavras do Director-Geral de Inovação e de
Desenvolvimento Curricular, em 2011, Fernando Egídio Reis:
«As Implicações das TIC no Ensino da Língua apresenta as
questões fundamentais relativas à implicação das tecnologias na comunicação e na
aprendizagem, no ensino da leitura e no ensino da escrita.
Para além de propor uma reflexão sobre a forma de potenciar
o uso das tecnologias de informação e comunicação no 1.o ciclo, a brochura
apresenta actividades quetêm como objectivo a melhoria do desempenho dos alunos na
comunicação, na leitura e na escrita.»
A brochura começa por justificar as tecnologias no âmbito do
PNEP, podendo ler-se na introdução:
«As tecnologias
estão hoje presentes no nosso quotidiano contribuindo para o desenvolvimento
das sociedades. Os discursos sobre as relações entre a escola e as tecnologias
são, no entanto, contraditórios. Se, por um lado, se responsabilizam as
tecnologias (e os media) pela perda
de hábitos de leitura e de trabalho das crianças, por outro lado, considera-se
que basta equipar todas as escolas com computadores e acesso à Internet para
que as crianças aprendam. Para uns, ainda, as tecnologias são uma moda e a
proposta de um módulo sobre tecnologias num programa sobre ensino da língua
materna desvia-se das prioridades que a Escola deve estabelecer: « ensinar
a ler e escrever ».
Outros, pelo contrário, deixam-se fascinar pela novidade e pelo carácter
ludo-educativo de determinados jogos informáticos ou de determinadas páginas Web. E outros, finalmente, consideram
inútil integrar as tecnologias na Escola já que as crianças as dominam com mais
facilidade do que os pais ou os professores.
Ora, se as tecnologias colocaram a informação à
disposição de todos os cidadãos, nem todos os cidadãos exploram as
potencialidades das ferramentas e dos dispositivos tecnológicos. Por esse
motivo, a Escola deverá mediar o processo de transformação da informação em
conhecimento. Com efeito, o acesso na Escola aos computadores e à Internet pode
atenuar os efeitos das diferenças de meios de acesso derivadas de factores
sociais, culturais e geográficos.
Os computadores – e sobretudo a Internet – abriram
a Escola a outros espaços. As crianças podem «sair da sala» e visitar
bibliotecas, museus, jardins, cidades, aldeias, em Portugal, na Europa, no
Mundo. As crianças podem, assim, ser como «Magalhães» e ir bem mais longe no
seu desenvolvimento…
(…)
Pretende-se, com a brochura e a formação que esteve
na sua origem responder à seguinte questão:
“ Como utilizar as tecnologias para desenvolver
competências em Língua
Portuguesa – nas crianças?”
Para
poderem
desenvolver essas competências nas crianças, considera-se necessário
que os professores:
·
Utilizem instrumentos de referência e materiais on-line para a planificação das suas
aulas;
·
Integrem hipertextos nas actividades a propor;
·
Acompanhem as crianças nos seus processos de pesquisa,
construindo itinerários de pesquisa;
·
Seleccionem sítios informáticos destinados a
crianças em função de projectos pedagógicos;
·
Construam actividades pedagógicas adequadas ao
desenvolvimento das cinco competências referidas no Currículo Nacional, servindo-se dos recursos disponibilizados pelas
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC).
Embora
esta brochura vise desenvolver nos formandos competências de natureza
instrumental (a capacidade de explorar as potencialidades pedagógicas da
utilização do computador), não se
centra em competências e conhecimentos de natureza tecnológica; não é um módulo de informática (…)»
E depois … a brochura procura que as crianças leiam,
escrevam, partilhem o que leram e o escrevam, viagem no conhecimento para
adquirir mais conhecimento…
O segundo plano em que o PNEP teve implicações na formação em tecnologias foi visível através da criação da
plataforma da DGIDC e 4 plataformas em 4 ESE (Coimbra,
Lisboa, Porto e Santarém) em 2006-2007. Essas plataformas foram geridas pelo Ministério e dinamizadas pelos membros da CNA.
Nos anos seguintes, todas as instituições de ensino superior
envolvidas, os agrupamentos e as escolas acabaram por criar também plataformas.
Paralelamente os blogues, as webquest, os wiki , vídeos desenvolveram-se de forma absolutamente espantosa. Alguns artigos foram produzidos sobre o número e qualidade dos blogues. Hoje,
ainda, qualquer pesquisa num motor de pesquisa revela a relevância das
ferramentas e dispositivos que os formandos aprenderam a dominar.
O «encerramento» do PNEP deu mesmo origem a campanhas de
alunos e professores. Um exemplo no Facebook: Volta PNEP
A referência PNEP pode ter-se perdido em muitos casos, mas se se consultarem, hoje, actividades realizadas por alunos e professores, as marcas do PNEP, estão lá.
Célia Lopes, Maria Manuel Santos, Ricardo Antunes A criação de blogues no âmbito do
INTERNET LATENT CORPUS JOURNAL
VOL. 2 N. 2 (2012) ISSN 1647-7308
E por último,... é preciso dar a palavra às crianças:
Ou ainda
PNEPAR é...
Aprender coisas novas
Estudar a brincar
Decorar lengalengas
Melhorar a ortografia
Ler a brincar
«Pnepar» é
Aprender a rimar
Brincar com os livros
Dar asas à imaginação
Gostar de ler e escrever
Falar de forma formal
Descobrir coisas novas
Ouvir histórias
«pnepar» é
Brincar com as palavras
Sonhar com as letras
Viajar com os livros...
Correr o Mundo...
Os Pnepianos Juniores (3º e 4ºanos)
EB1 de Tentúgal.
A articulação entre conteúdos e formatos «tradicionais» e digitais é bem visível nestes exemplos simples de quem gosta da Escola.
Houve Planos
politicamente mais visíveis, como os referidos na peça, mas já agora… Se o
Ministério da Educação e a Gulbenkian estão a preparar projectos-piloto, por
favor… não ignorem o que foi feito!